Savimbi passou varias semanas em bebedeiras quando ouvi que eu fugi da UNITA

A Ruptura com Savimbi (Parte 5)

«Não» à Jamba

Regressámos a Luanda. Logo ali havia novidades. Tony da Costa Fernandes partira já para Londres. O compadre Morais, dizia-se, regressara também à Suíça e, afinal, tinha tudo mais ou menos preparado. Ainda no aeroporto, o Salupeto veio receber-me e dizer que, segundo instruções do Mais Velho, eu deveria seguir para a Jamba no dia seguinte. Nesse sentido, de manhã muito cedo, uma vioneta viria buscar-me e à minha família. Ele e outros membros da Direcção partiriam às 10 horas num grande avião Safar para uma reunião importante...

Logo ali notei que... havia esturro. Porque é que só eu e a minha família deveríamos partir numa vioneta, quando o avião grande nos poderia levar a todos de uma só vez? A pergunta ficou a bailar-me na mente, vendo, desde logo, que era tempo de agir.

Estando no Hotel Presidente, consegui primeiro convencer os guarda-costas, que estavam cansados, a irem dormir ao quartel. Fiquei só com um, o Semente.

Às 10 horas da noite, quando tudo parecia praprado para, no dia seguinte, partirmos para Jamba, avisei a minha mulher de que não iríamos para a Jamba e que naquela noite iríamos abandonar, definitivamente, a UNITA. Recordo-me de que ela me respondeu qualquer coisa assim:

— Como é que vais abandonar a UNITA, depois de tantos anos... não vais ter um colapso?
— Estou suficientemente preparado, pois prefiro morrer amanhã do que morrer hoje... — respondi.

Sabia bem do que falava. Mandei-a buscar o filho mais novo, que dormia com a Suali e a Lulu num outro quarto. Achei que ele deveria dormir connosco para ser mais fácil na hora da partida. Mobilizei o Semente para ficar no quarto do vice-presidente Chitunda, já que...
— Estamos à espera de um telefonema da senhora Teresinha, prima da Tina, porque o nosso está avariado e quando tocar ele vai chamar-nos... — fui dizendo ao guarda.

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Enquanto isto, o Alex, a Tina e os miúdos tinham ido apanhar o elavador e seguiram para os carros, já preparados pelo compadre Morais. Era 1 hora da manhã quando me fui juntar a eles e... rumamos todos para o desconhecido.

Às 5 horas da manhã - soube-o depois-, o motorista estava, como combinado, no hotel, para nos levar ao aeroporto, onde apanharíamos a avioneta para irmos para a Jamba. O guarda disse que ainda estávamos a descansar, o que o levou a bater às portas. Sem resposta, tiveram de recorrer aos homens do hotel, que, ao abrirem as portas, encontraram os quartos vazios.

*Aparece o Manuel João Adão

Vou, de facto, chamar-me Manuel João Adão. Talvez por pouco tempo... mas Manuel Adão é um nome bonito, ao qual eu devo até, talvez, a minha vida. Um nome que vai aparecer —legal ou ilegalmente, não importa— num dos meus passaportes. Com a minha fotografia e tudo, quem é que duvida? De um momento para outro, deixou de ser Miguel Maria para ser Manuel Adão. A necessidade obriga, não é?

A UNITA empreendeu buscas nas casas dos meus familiares e dos familiares da minha mulher. Em vão, claro. Onde estávamos... instruí o Alex para não deixar os miúdos fazer barulho nem sair para o quintal. Surpreendentemente, apareceram dois elementos para nos tirar fotografias, dizendo-nos que só poderíamos deixar o país depois de uma semana. Comecei a inquietar-me e perguntei mesmo ao compadre Morais se o Governo não sabia do nosso plano. Ele disse-me que não.

Nesse mesmo dia à noite, os elementos das fotos apareceram com os passaportes diplamáticos, todos com nomes diferentes, mas com as nossas próprias fotografias. No meu... aparecia o nome de Manuel João Adão. Comunicaram-nos, acto contínuo, que iríamos viajar naquela mesma noite.

De madrugada, vieram buscar-nos e, curiosamente mal saímos da casa, a luz eléctrica foi-se em toda cidade. Recordo-me que começara a chuviscar. Não entramos pela área normal do aeroporto, contornámo-lo, como quem ia para a Palanca, levantámos depois o arame farpado e entrámos na área do aeroporto. Estava lá um pequeno jacto, que nos transportou. Eu, a Tina, com dois filhos (a Suali e Vidal), a Lulu (prima da Tina), o Alex e o compadre Morais com o seu filho, Albino. Ao cumprimentarmos os pilotos e a hospedeira, todos nos responderam em francês. Levantámos voo só com as luzes do avião, pois a pista não estava iluminada...

Depois de estarmos no ar, comecei a explicar aos miúdos que não íamos para a Jamba, «porque Savimbi queria matar-nos». Todos olharam para mim... pasmados. Escalámos na Algéria para abastecer e depois rumámos para Faro, em Portugal. Tudo correu bem.

Tudo correu bem... não. No Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Faro, quiseram complicar-me a vida. O agente olhou para mim e... pôs o meu passaporte de lado. Os dos outros foram despachados sem problemas. No fim, perguntou-me o que pretendia fazer em Portugal. Respondi-lhe que ia como turista no meu avião particular. O homenzinho lá aceitou o meu bluff de homem rico e deu-me um visto de 15 dias de estada em Portugal...

Passámos um dia na cidade de Faro — a lembrar, ainda que vagamente, a minha terá africana— e fomos depois para as Termas das Caldas da Rainha. Onde, e como era de esperar, começámos a acompanhar as primeiras reacções da UNITA a propósito do nosso desaparecimento. A verdade é que fomos ouvindo de tudo. Num dia, afirmavam que tínhamos sido raptados pelo MPLA. No outro, assacavam-me, a mim, ministro do Interior das Terras Livres da Jamba, as culpas pelo desaparecimento de Tito e de Wilson e que por isso tive de fugir... As informações mais moderadas diziam que tinha sido enviado para ver o problema de Cabinda.

Mas havia muitas mais «razões» para o nosso desaparecimento. Dadas aos tropeções, por quem podia e por quem não podia. Era um corre-corre, numa tentativa, já então evidante, de denegrir a minha imagem.

Tudo isto obrigou-me a fazer um comunicado de imprensa, que enviei para a BBC, France Inter, A Voz da América, A Voz da Alamenha, etc. Foi uma bomba! Imagino que Savimbi passou semanas de babedeiras...

Mais tarde, o próprio Savimbi apressou-se a fazer um inquérito imaginário, que até chegou a enviar aos americanos. Nele dizia que eu era o pior homem da UNITA e que maltratava toda gente. De tal maneira que, para eu circular na Jamba, tinha de ser protegido pelos seus guarda-costas. Forçou mesmo pessoas a assinarem o dito inquérito. Vi lá nomes como os de Chitunda, padre Katumbela, reverendo Epalanga, general Renato e Hossi. Se soubesse que eles tinham assinado de livre vontade, custar-me-ia muito. Mas sei que a maior parte das assinaturas foi obtida por coacção...

Até porque se na Jamba havia pessoas a circular livremente, nas casas das pessoas e nas aldeias, eu — Miguel Maria N'Zau Puna e não, evidentemente, Manuel Adão— era um deles...

A minha saída da UNITA causou, de facto, grandes transtornos. A ponto de fabricarem histórias, como a de que eu tinha sido aliciado pelo MPLA com quatro milhões de dólares americanos, a compra de um grande prédio em Santarém (Portugal)... Aí, até publicaram a foto do andar e do apartamento, mas era alugado. Tudo isto foi publicado no jornal da UNITA, o Terra Angolana.

Era «cortinas de fumo» para minimizar a minha saída das fileiras da UNITA. Cortinas de fumo que acabaram por não surtir o efeito desejado, já que, na maior parte dos casos, todos sabiam quem era o Puna e todos sabiam quem era o «grupo do presidente Savimbi».

Não valeu a pena a bravura. Bem ao contrário, levantou muitas mais «lebres», que iam estando escondidas...

*"Mal Me Querem" — Autobiografia de Miguel N'Zau Puna

Saiba mais sobre este assunto, clicando neste link https://youtu.be/bq5VA5tNIAw

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