A MÍTICA «OPERAÇÃO CHOCOLATE-0»- SALAS NETO



Era num sábado, estava eu a jiboiar na minha zona de conforto, a saleta de visitas lá do chalé, quando me apetece assim do nada mastigar ou chupar qualquer coisa doce.

 Por estranha coincidência, o meu primeiro neto, que estava a «curtir» a quarentena connosco, adentra o aposento e propõe-me: «Papá, vou à cantina. Não vai mandar bolachas?». Pura telepatia.

Digo que sim, tiro a última nota de dois paus de que dispunha , dos quais apenas podia gastar metade, pois o resto era para cobrir um kilapi que tinha com a Galiana, a administradora executiva para as finanças da «placa dos traiçoeiros», e lá dou as instruções: «Compra um pacote de bolacha Maria e uns vacas que ri (queijinhos) ou assim».



Fisioterapia ao domicílio é na MZ Fisio. Contactos para marcação: 924170321, 998024880

Ele fez melhor: diversificando mais a economia, cafumbou nas vacas e trouxe também uns cubos de chocolate num pacotinho prateado duns 2X4 cm, que depositou na geleira.

Normalmente embrulho as marias em xandulas de manteiga, mas nesse dia empurrei umas oito a seco, por estar sem pachorra para esperar até que o creme descongelasse. Não satisfeito apenas com a doçura das bolachas, fui mais buscar o chocolate, a ver se a «semite» fosse finalmente coberta.

E é aí que vem o engraçado da coisa. Cada vez que mordiscasse a guloseima, lá vinha à lembrança o ministro do Interior: «A polícia não está na rua para distribuir rebuçados, nem para dar chocolate!». Ri-me a valer por uns bons minutos, pelo menos até que os cubinhos do saboroso derivado do cacau acabaram. Era impossível não fazê-lo. 

Pouco depois, já mais sério, fiquei a pensar o seguinte: daqui a uns bons anos, nas aulas de história, os professores vão certamente lembrar esta frase lapidar de Eugénio Laborinho, quando se estiver a falar do primeiro «estado de emergência» havido no país por razões sanitárias em exclusivo, nomeadamente do papel que as forças de defesa e segurança desempenharam no combate ao novo corona vírus, o inimigo mais terrível que a humanidade já alguma vez enfrentara.

Na altura, embora houvesse apenas menos de 30 casos positivos confirmados, os preparativos do governo faziam prever que a guerra seria dramaticamente terrível, pelo que a repressão preventiva para se evitar a contaminação comunitária tinha de ser muito a sério, em especial contra os «desobedientes» e «teimosos» que não gostavam de ficar em casa.

«A polícia não está na rua para distribuir rebuçados, nem para dar chocolate!», papagueavam, «pedagogicamente», os jornais, rádios e televisões oficiais. No entanto, ao que tudo indica, a «operação chocolate 0» de pouco valeu, pois a pandemia acabou por seguir alegremente solta entre nós, de tal sorte que os números de casos positivos e de mortos a cada dia vão andando na estratosfera por estes tempos.

Não obstante, acabaria por acontecer nesses dias algo surpreendentemente memorável: o levantamento da famigerada cerca sanitária sobre Luanda, que condicionou brutalmente a circulação de pessoas e bens entre a capital e o resto do país, por mais ou menos 510 longos dias.

É o fim do martírio para os que precisam de entrar e sair de Luanda com maior ou menor regularidade, seja a trabalho ou a turismo, mas também o fecho duma torneira que estava a facilitar a vida a uns quantos Chico-espertos, que logo haviam descoberto como facturar às custas daqueles que não gostam de bichas ou não aguentam esperar para além do tempo regulamentar.

Curiosamente, quem conseguira deixar Luanda poucos dias antes do levantamento do cerco foi o Haladji, o cantineiro guineense que vendeu ao meu neto o chocolate que daria azo a esta crónica. Nos mentideiros da minha rua, diz-se que o velho dele é que lhe mandou regressar já, mas eu acho que ele subiu para alguma zona da camanga, que é o destino dos mamadous depois do estágio nas cantinas e nas cabritarias. O gajo até era boa pessoa: dava vales como o colono e deixava o grupo do Ti Mingo lá ir ver jogos nos dias do futebol europeu ou mundial. E vendia além da hora, ao passo que o nabo que o substituiu, não sei se por medo da polícia, fecha logo às 18, o que já está a produzir saudades do Haladji.

Bom, como ouvira a notícia do fim do cerco por alto, cheguei a pensar que os bailes também já haviam sido liberalizados, mas assim não era, para minha infelicidade. Eu que sou o escangalhador implacável. «Induvidavelmente»!



Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação 

Postar um comentário

0 Comentários