Corrupção e boa governação: a insustentável leveza do direito - Rui Verde



Brasil: Lava Jacto, hoje

Em 31 de Janeiro, José Dias Toffoli, juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, suspendeu o pagamento de uma multa de US$ 2,6 mil milhões que fora imposta à Novonor, uma empresa de construção mais conhecida pelo seu antigo nome, Odebrecht. No mês anterior, suspendeu outra multa aplicada à J&F, dona do maior frigorífico do mundo, a JBS.

Ambas as empresas tinham concordado com o pagamento as multas, no âmbito dos acordos estabelecidos com as autoridades judiciais, nos quais as respectivas administrações admitiram ter subornado autoridades brasileiras.



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Toffoli decidiu que havia dúvidas razoáveis sobre se os acordos haviam sido assinados voluntariamente (sem coacção) e argumentou que o juiz que administrou as multas poderia ter conspirado com os procuradores.

As multas tinham sido estipuladas após uma série de investigações de corrupção no Brasil, a mais famosa das quais, conhecida como Lava Jacto, iniciada há dez anos. A Operação Lava Jacto fez parte de uma onda de actividades anticorrupção que varreu a América Latina na década de 2010.

Agora, as decisões de Toffoli geram um novo agravamento da percepção da corrupção em toda aquela região. O Brasil caiu dez posições num índice anual de corrupção percebida divulgado pela Transparency International, em Janeiro.

Isto é, no Brasil, a dita onda de combate à corrupção parece terminar sem verdadeiros resultados estruturais. Ao fim e ao cabo, o sistema de justiça não conseguiu uma vitória sistemática.

Itália: anos 1990 (Operação Mãos Limpas)
O primeiro super‑juiz de ouviu falar na história recente, assumindo o estrelato, talvez tenha sido o italiano Antonio Di Pietro. Di Pietro fez parte do conjunto de magistrados que dirigiram a Operação Mãos Limpas no Tribunal de Milão. Mais tarde, em 1996, entrou para a política, e em 1998 fundou o partido Itália dos Valores, de que se afastou em Outubro de 2014. Di Pietro começou a querer “limpar” o sistema político italiano, e acabou por ser “limpo” por este.

Nos anos 90, Di Pietro começou por liderar as investigações contra a corrupção em Itália, gerando um gigante “efeito dominó” que provocou o fim da Primeira República italiana. E a fuga e exílio para a Tunísia do primeiro‑ministro “Bettino” Craxi. Centenas de políticos nacionais foram colocados sob investigação por corrupção, incluindo algumas figuras de primeiro plano.

O certo é que o afastamento dos políticos antigos em Itália e a implosão dos partidos políticos tradicionais não levaram a nenhuma democracia renovada, antes levaram à entrega do poder a um “Cavaliere”, quiçá mais perigoso do que os anteriores, porque trazia a suportá‑lo o domínio dos media. Na realidade, a “limpeza” italiana abriu caminho a Silvio Berlusconi.

Nada ficou resolvido.

Angola: anos 2020
Têm sido múltiplas as entregas de activos ao Estado angolano mediante estabelecidos entre sujeitos/empresas sob investigação e a Procuradoria-Geral da República. Provavelmente, à luz da Constituição anterior à revisão de 2021 e antes da aprovação da Lei de Apropriação Pública n.º 13/22, de 25 de Maio, esses acordos seriam inconstitucionais e ilegais.

Um exemplo bem expressivo é o do China International Fund (CIF), que os generais Kopelipa e Dino entregaram ao Estado. Agora, a legitimidade dos generais para o fazerem é contestada em tribunal pela parte chinesa, representada por uma Madam Lo.


Não vamos entrar em detalhes, mas corre-se o verdadeiro risco de, tal como aconteceu no Brasil, tudo vir a ser anulado, seja com base em alegações de coacção ou em ilegitimidade.

***

O ponto que estes exemplos pretendem demonstrar é muito simples: o problema da corrupção – que de facto existe, é grave e destrói a nação – não se resolve com o direito e com o mero funcionamento do poder judicial. Está demonstrado que os mecanismos jurídicos não são os que mais importam no combate à corrupção.

Vejamos o caso da Finlândia, habitualmente classificada como o país menos corrupto do mundo. Independentemente do maior ou menor rigor dessa classificação, e mesmo que lá também existam problemas, o certo é que a corrupção não captura o Estado finlandês nem mina as instituições.

O ponto essencial é que o direito e o sistema judicial não são os únicos responsáveis pela não corrupção. Na verdade, são auxiliares. Os níveis de corrupção de um país são uma questão de educação, de cultura, de valores e de mecanismos económico-sociais.

A ordem social finlandesa caracteriza-se por vários pontos fortes específicos que podem ser considerados de especial valor acrescentado nos esforços internacionais anticorrupção: a condenação moral e legal da centralização do poder e das disparidades socioeconómicas, combinada com a promoção de uma cultura de governação que promove o bem comum; a adopção sincera dos valores da moderação e do bem comum, impondo significativos limites à procura de ganhos privados à custa dos outros.

Estes valores também servem para construir confiança mútua. Vários estudos demonstraram uma correlação positiva entre um elevado grau de confiança entre os membros de uma sociedade e os baixos níveis de corrupção.

A experiência finlandesa sugere ainda que o exemplo moral fornecido pelos funcionários e decisores em cargos executivos é indispensável para o desenvolvimento de uma cultura ética de governação. Quando as pessoas percebem que os colegas seniores de uma organização se comportam de forma ética e responsável, é provável que sigam o seu exemplo. O exemplo é fundamental.

Assim, há três vectores fundamentais para o sucesso no combate à corrupção:

Valores éticos. Uma cultura de responsabilização no governo e na administração pública, que pode ser construída e reforçada declarando oficialmente que os valores éticos são a base do serviço público.

Transparência. A adopção de práticas governamentais e empresariais transparentes, com instituições fortes e que desencorajam a corrupção.
Envolvimento cívico. A sociedade deve valorizar o envolvimento e a participação cívica, o que ajuda a controlar o governo e reduz as possibilidades de corrupção.


Este é o contexto que permite diminuir substancialmente a corrupção. Só depois entram em jogo o direito e o processo judicial, que são os alicerces de uma sociedade cívica tendente ao bem comum. Enquanto isto não for compreendido em Angola, o combate à corrupção continuará a falhar. O direito não resolve tudo – aliás, não resolve quase nada. É apenas um de vários elementos dissuasores.

Maka Angola 

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