Por que não um Papa negro-africano? - Raul Tati



Trago hoje um assunto que está a suscitar alguma celeuma depois da eleição do 267º Papa da Igreja Católica. Depois da morte do finado Papa Francisco, a imprensa acenou à probabilidade da eleição de um Papa negro-africano. Era chegado o momento da África, depois da América do Sul! Foram inclusivamente indicados nomes e rostos, sendo o mais destacável o cardeal Robert Sarah, da Guiné Conakry, um dos rostos actuais mais influentes da cúria romana. Mas esfumou-se essa probabilidade que entusiasmou a muitos católicos e não católicos africanos. Foi eleito um Papa norte-americano! Quem diria? Desde então tenho estado a acompanhar reacções de desilusão dos que apostavam num Papa negro-africano. Na sequência das reflexões que tenho partilhado sobre essas matérias, recebi pedidos de esclarecimento sobre a questão que dá título a este texto.


Embora tenha aceitado este desafio, estou advertido de que se trata de um terreno movediço. Por isso, não trago aqui teorias infalíveis, mas uma opinião que vale o que vale e que pode (e deve) ser confrontado desapaixonadamente. Os argumentos que vou aqui esgrimir são apenas caminhos possíveis para a busca da verdade. Não é a verdade! Seria presunção desmedida da minha parte. É um desejo legítimo dos africanos verem hoje um filho da África a liderar a Igreja católica. Todos querem um Papa da sua terra ou nacionalidade. Até os italianos que tiveram o monopólio durante quatro séculos quebrados por S. João Paulo II em 1978, mal conseguem digerir esse jejum de mais de 40 anos. Há muita gente que não tem ideia de que dos 267 Papas da história da Igreja, pelo menos uns duzentos foram italianos. Neste momento é o país com mais cardeais num total de 51 purpurados, dos quais 17 foram eleitores no último conclave.


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Mas a África também deu três Papas à Igreja, nomeadamente, Victor I (189-199), Melquíades (310-314) e Gelásio I (492-496). Só que estes não eram negros; eram provavelmente berberes ou pardos oriundos de províncias romanas no Norte de África como Cartago, Hipona e Alexandria (actualmente Tunísia, Argélia e Egipto). Era o chamado mundo mediterrânico daquela época com o predomínio do império romano.


O grande problema que se levanta então é: qual pode ser a explicação da ausência de Papas negros na história bi-milenar da Igreja católica? Já houve africanos, mas não negros. Olhando, pois, para a história da Igreja e sobretudo às suas normas, não está escrito em documento algum qualquer objecção à eleição de Papas negros. Mas, temos um “costume” que se instalou sorrateiramente na Igreja e persiste no tempo, desafiando todas as épocas: o eurocentrismo caucasiano! Por força dessa realidade, um Papa negro seria algo inusitado, se não for mesmo um “sacrilégio” na cabeça de alguns sectores fundamentalistas católicos que não estão preparados para lidar com uma outra imagem do papado que não seja a que estamos habituados. Prestemos atenção à simbologia das cores do fumo: o preto (negativo) e o branco (positivo). O fumo preto, de mau agoiro, tem de ser superado e só se repete enquanto não sai o branco. Pode haver dezenas de fumos negros, mas para nada valem. Basta um fumo branco e… “habemus Papam!” E dentro do conclave estão brancos e negros…


Esse costume não está escrito no papel, mas está inscrito numa tradição com força de lei que se preserva: foi sempre assim, continua a ser assim e deverá ser sempre assim, até que aconteça o inédito. A eleição de um Papa negro é só um sonho que nasce e morre em cada conclave, como acaba de acontecer. Entretanto, sobre isso ainda há muito que se lhe diga. Podemos levantar aqui também uma questão pertinente: como é que Roma vê (ou trata) a Igreja em África? Para aqueles que eventualmente não estão muito dentro dessas coisas, saibam que Roma considera a Igreja em África como “TERRA DE MISSÃO”. Trata-se de um espaço “paganizado” ainda por evangelizar. Apesar de todo o seu dinamismo e das suas generosas vocações sacerdotais (cerca de 36 mil padres) e religiosas, com a criação de numerosas dioceses e arquidioceses (são cerca de 944), ainda não temos uma Igreja emancipada/evangelizada como na América e na Europa.


Toda a doutrina sobre essa condição de “menoridade” da Igreja em África está plasmada em documentos importantes como: Carta Apostólica Africae Terrarum (Papa S. Paulo VI, 1967), Exortação Apostólica Pós-sinodal Ecclesiam In Africa (Papa S. João Paulo II, 1994) e na Exortação Apostólica Pós-sinodal Africae Munus (Papa Bento XVI, 2011). Nestes documentos está impregnado o espírito do “paternalismo” romano em relação à Igreja africana. Para operacionalizar e sustentar os cuidados dispensados às “terras de missão” em África, a Santa Sé criou em Roma instituições como a Congregação para a Evangelização dos Povos (antiga Propaganda Fide), as Obras Missionárias Pontifícias, instituições de formação do clero, como a Universidade Urbaniana e os Colégios eclesiásticos S. Pedro e S. Paulo. Os bispos das dioceses africanas, embora eleitos pelo Romano Pontífice, são propostos e “controlados” pela Congregação para a Evangelização dos Povos e não pela Congregação dos Bispos, dicastério que até há pouco esteve sob cuidado do cardeal Robert Prevost, ora eleito Papa Leão XIV.


Na condição de “terra de missão”, a África ainda tem de receber missionários enviados das terras evangelizadas e das Igrejas emancipadas da Europa e da América para a obra da evangelização. Neste sentido, os missionários europeus ou americanos são nomeados “tranquilamente” para bispos e arcebispos em dioceses africanas. Na Conferência Episcopal de Angola (CEAST) tivemos recentemente um cardeal italiano, infelizmente já finado. Entretanto, os sacerdotes africanos que trabalham na Europa ou na América, por mais santos e sábios que sejam, nunca são nomeados bispos das dioceses europeias ou americanas. É um tabú!


A nível da cúria romana, a Santa Sé tem promovido figuras destacadas da Igreja em África ocupando altos cargos. É o caso do cardeal Francis Arinze (1932), nigeriano, que ocupou o cargo de Prefeito da Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, membro da Comissão do Grande Jubileu 2000. Era um eclesiástico de grande prestígio no seio da cúria romana, um teólogo fecundo com cerca de 28 livros de teologia publicados. Em 1967 era o arcebispo católico mais novo do mundo com 35 anos. Participou como “papabile” no conclave que elegeu Bento XVI, em 2005. Hoje está aposentado com 92 anos. Recordo-me também do cardeal Benardin Gatin (1922), antigo arcebispo de Cotonou (Benin) que depois foi trabalhar para a Santa Sé, tendo ocupado a função de Decano do Colégio Cardinalício (1993-2002). Este foi o primeiro bispo africano chamado a ocupar cargos na cúria romana e faz parte da geração dos primeiros africanos que ascenderam ao episcopado. Ultimamente temos a figura do cardeal Robert Sarah, Prefeito Emérito da Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos e Presidente do Pontifício Conselho Cor Unum. No último conclave, a África, continente com 54 países, contava 18 cardeais - apenas mais um que a Itália - o que representa 13,33%. Diz-se que é uma Igreja que está em crescimento, mas, claro, ainda não o suficiente para concretizar o sonho de um Papa negro.


Vou terminar esta reflexão, extrapolando para a dimensão da fé a questão que me ocupou nestas linhas. Se quisermos ver este assunto aos olhos do Espírito, então deixemos que o Espírito continue a trabalhar já que os Papas são escolhidos pelo Espírito Santo. E tal como o vento, o Espírito sopra onde quer (Jo. 3, 8-10). Ainda não chegou a vez de soprar para a África, mas a Igreja ainda não terminou a sua peregrinação terrena, pelo que a sua história ainda não escreveu o último capítulo. Quanto às teorias da conspiração, é claro que, como humanos, muito facilmente podemos ser tentados a dar um nome àquilo que está à vista de todos: racismo na Igreja! Será!? Pois, dentro da Igreja também há pecados cabeludos. Por isso é que ela é considerada como sancta et meretrix (santa e pecadora), embora o teólogo Hans Urs Von Balthasar tenha tentado ressalvar a expressão como “casta meretrix”. Enfim, o tempo é o maior juiz de todas as coisas (Tempus est optimus judex rerum omnium)!


Olissipo, 12 de Maio de 2025.


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