A crise do estado inteligente - Rui Kandove



O exercício do poder vai muito além da administração do quotidiano. Governar não é apenas executar políticas públicas ou gerir o aparelho de Estado. Governar é, sobretudo, navegar as complexas teias de influência, as alianças informais, os pactos não ditos, e os silêncios que sustentam sistemas inteiros. Nesse sentido, compreender a correlação de forças na sociedade não é um detalhe — é o ponto de partida para qualquer projeto político duradouro.


José Eduardo dos Santos entendeu isso como poucos. Cultivou, com habilidade cirúrgica, o que se poderia chamar de “Estado profundo” — um sistema onde as eminências pardas (como Helder Vieira Dias, Aldemiro Vaz da Conceição e Jú Martins) atuavam como verdadeiros operadores do poder real. Não eram ministros de pasta, mas estrategas da estabilidade. O país funcionava com base nesse delicado equilíbrio: visibilidade institucional de um lado, comando discreto do outro. Pode-se discordar de muitos elementos do seu governo, mas negar a sua maestria no jogo do poder seria negar a evidência.

 


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Com João Lourenço, o cenário mudou. Herdou as estruturas, mas parece não ter herdado o mapa. Optou por uma abordagem que, ao querer romper com os esquemas do passado, acabou por desarticular parte do próprio sistema de sustentação do poder — sem construir outro em seu lugar. O resultado: um governo com autoridade formal, mas muitas vezes sem comando estratégico sobre as dinâmicas reais do país.

 

Nesse vácuo, a figura de António Venâncio surge como uma espécie de metáfora viva da resistência intelectual dentro do MPLA. Ao declarar intenção de se candidatar à presidência do partido, Venâncio não só desafia a cultura da unanimidade, como também expõe o quanto o partido está desconectado de parte do seu próprio capital humano. É quase incompreensível, do ponto de vista político, que uma figura com formação sólida, com história no partido e até alguma relação remota com o próprio Presidente (ambos estudaram na URSS) seja tratada com tamanha indiferença ou hostilidade.

 

O que está em crise, mais do que a liderança em si, é o projeto de poder — mal concebido, mal sustentado, mal executado. A elite dirigente parece não ouvir, não dialogar, não corrigir o curso. O resultado está à vista: perda de legitimidade, rupturas internas, ausência de horizonte estratégico. E ainda assim, João Lourenço mantém a vantagem decisória, o que mostra como o formalismo do poder continua a ser confundido com o poder de fato.

 

Quando o Estado confunde autoridade com imposição, e hegemonia com silêncio, está-se a abrir o caminho para um colapso gradual. Não se trata de alarmismo: trata-se de uma constatação de que, se o MPLA continuar a ignorar os sinais da sua própria erosão interna, as “romarias” à presidência do partido — como bem descrito — não serão expressão de vitalidade política, mas sim a marcha dos grupos que disputam migalhas de um projeto sem rumo.

E, nesse cenário, torna-se urgente recordar: o verdadeiro poder não está apenas na capacidade de decidir, mas na sabedoria de ouvir e na coragem de transformar. Caso contrário, o sistema seguirá funcionando — mas como um corpo que insiste em se mover mesmo depois da alma ter partido.


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