Um vídeo breve e trémulo tornou-se viral: Mano Abel Chivukuvuku a ser acompanhado por duas pessoas até ao carro. Não parece bem. Minutos depois, ergueu-se o coro: «Está bêbedo». Não há qualquer prova dessa afirmação; há apenas o reflexo da crueldade online. Vi o vídeo com atenção. Os dois homens ao seu lado não são estranhos; são o seu colaborador de longa data, Milu Tonga, e o seu filho, Mário. O que vejo não é intoxicação; vejo um homem indisposto a ser protegido de uma queda.
Observe-se a marcha: é sustentado de ambos os lados e avança em passos pequenos e cuidadosos; o ritmo é constante, não cambaleante; não há a sequência de paragens e arranques, nem a oscilação performativa para a esquerda e para a direita. Assim caminha quem está tonto, fraco ou com dor; não assim quem exibe falsa valentia para a câmara.
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Observe-se a postura: tronco rígido e ligeiramente projetado para a frente; uma atitude de autoproteção, a geometria instintiva de quem tenta manter o horizonte estável ou resguardar o tórax e o abdómen. A embriaguez relaxa a coluna e os ombros; a doença enrijece-os.
Observe-se a relação com quem o assiste: ele acompanha o compasso dos ajudantes e deixa-se guiar; não há puxões, nem desvios impulsivos para saudar curiosos, nem grandiloquência para a galeria. Isto é cooperação; não desinibição.
Observe-se o controlo motor: suporta o peso com ajuda e coloca os pés de forma deliberada; não falha repetidamente o puxador da porta, não embate em obstáculos. O álcool denuncia-se por erros de pontaria: chaves que caem duas vezes, portas tentadas três vezes, lancis pisados de novo e de novo; nada disso é visível.
Observe-se o comportamento: não há floreio argumentativo, nem euforia ligeira, nem apartes arrastados para a multidão. A doença costuma ser silenciosa; poupa energia; fixa os olhos no passo seguinte e no assento mais próximo. E repare-se, por fim, na linguagem corporal de quem o auxilia: o aperto é de proteção, não de contenção; o espaçamento é deliberado; a coreografia lê-se como um plano traçado de antemão para prevenir um colapso. Assim se acompanha quem desmaia com facilidade, quem padece de vertigens, quem saiu de um procedimento; não assim se controla o imprevisível.
Se quisermos um enquadramento clínico, o padrão é familiar: passos lentos e cautelosos; apoio lateral; cabeça e tronco adiantados; afeto cooperante. É compatível com vários estados benignos mas penosos: hipotensão ortostática; desidratação após viagem ou calor; crise vestibular; efeitos de medicação; fadiga comum no pós-doença. São fragilidades humanas; não exigem conspiração; não justificam difamação.
Porque é que um fragmento de vídeo se converte tão depressa num referendo ao caráter de alguém? Parte da resposta reside na nossa história. Angola continua a viver com o eco de uma guerra longa. O combate terminou em 2002; a recomposição do tecido social — confiança, recato, o instinto de humanizar o adversário — leva mais tempo do que reparar estradas e pontes. Uma geração criada entre deslocação e perda aprende hábitos de dureza; quando chega a paz, esses hábitos podem calcificar em cinismo. Resultado: um espaço público onde a vulnerabilidade é tratada como teatro e a doença é confundida com vício.
Há ainda a condição moderna: a fadiga da compaixão e o entorpecimento psíquico, descritos pela psicologia, que decorrem da exposição incessante à dor alheia. Na trovoada permanente das redes sociais, cada vídeo chega descontextualizado; a indignação e a troça são as moedas mais baratas da atenção. O ecossistema remunera a insinuação veloz em detrimento da inferência lenta; prospera com o juízo instantâneo, o meme, o coro. Nada disto é exclusivamente angolano; porém, fere mais onde o trauma está à flor da pele.
Outra razão: as nossas instituições continuam a formar-se. Angola é um país relativamente jovem; muito da vida pública filtra-se por filiações partidárias, e a cena política é dominada por um elenco reduzido de personalidades.
A democracia é desarrumada; a nossa — com um sistema eleitoral complexo, propenso a coligações e recomposições — é mais desarrumada ainda. Exige compromisso; as configurações mudam e surpreendem. Cresce a impaciência, e começamos a projetar em demasia sobre indivíduos. Essas projeções, mesmo laudatórias, convertem-se em passivos; qualquer indício de fraqueza é aproveitado por rivais, amplificado por câmaras de eco, e a análise degrada-se em psicologia de personagens, em vez de matéria substantiva.
A investigação em contextos de conflito e pós-conflito aponta para a mesma moral: a empatia contrai-se sob ameaça; reabre-se apenas com deliberação, através de normas, contacto e instituições que privilegiam a contenção sobre o espetáculo. Quando as fronteiras de grupo se inflam, os opositores tornam-se caricaturas; quando o contacto é estruturado e frequente, o medo amacia e a complexidade regressa. A política pode cultivar a decência ou corroê-la; nunca é neutra.
Voltemos ao vídeo. Um registo de segundos não é um boletim clínico; não ofereço um diagnóstico. Ofereço uma observação ancorada no que a câmara mostra. Nada ali sustenta a tese da embriaguez; tudo sustenta o óbvio: um caminhar cuidadoso, poupado em energia, com auxílio protetor para evitar uma queda. Pode discutir-se as ideias, o percurso ou a ambição de Mano Abel — isso é política; imputar bebedeira quando um homem está manifestamente doente diz mais sobre nós do que sobre ele. Escarnecer da fragilidade não é política; é falência de caráter cívico.
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