Neil Shaw, inglês discreto, decidiu viajar de Lobito a Dar es Salaam com uma câmara, um caderno e uma calma quase britânica. Não buscava façanhas nem aventuras de catálogo. Limitou-se a observar, a deixar que o caminho falasse por si. E o que o caminho lhe devolveu foi mais do que paisagem ou exotismo: foi o retrato cru de um país que insiste em recusar-se a levar a sério a segurança e a eficiência.
A viagem começa no Caminho de Ferro de Benguela, esse traço de ferro e história que durante décadas uniu o Atlântico ao coração de África. Para muitos angolanos, o simples nome da linha ainda carrega ecos de epopeia e promessa. Mas entre a glória do passado e a realidade de hoje há um abismo. Antes de Luena, a cozinha do comboio irrompe em chamas. Os passageiros entram em pânico. Um extintor pendurado na parede — inútil. Baldes de água seriam a solução imediata — mas não há água por perto. O “plano” transforma-se em improviso, correria, sorte cega. O fogo acaba por ser controlado, mas a imagem não se apaga: um comboio em movimento, uma cozinha a arder, nenhum protocolo, nenhum preparo, nenhuma visão antecipatória.
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Essa cena, tão banal e tão reveladora, diz tudo sobre os nossos sistemas. Um extintor exige manutenção regular: pressão medida, prazo de validade respeitado, químicos adequados ao risco. Sem isso, torna-se apenas cilindro vermelho na parede. Acrescente-se o fator humano — a ausência de treinos, de simulacros, de clareza sobre o combustível usado na cozinha — e o desastre deixa de ser possibilidade para tornar-se certeza. O que aconteceu não foi azar. Foi negligência cristalizada, visível a olho nu.
Ao deixar a linha férrea, a história repete-se na estrada. Impedido de prosseguir pelo Congo, Shaw desvia-se para Kazombo e entra num jipe com destino à fronteira zambiana. O veículo falha não uma, mas várias vezes. Óleo ignorado, peças gastas, filtros entupidos, velas vencidas. Até que, em plena mata, o motor tem de ser arrancado do chassis e ressuscitado à martelada. A cena, simultaneamente cómica e trágica, converte-se em metáfora: um país habituado a conviver com a falha, a normalizar a disfunção, a aceitar que a precariedade é destino.
As máquinas são professoras severas. Recompensam o cuidado com durabilidade; castigam o descuido com colapso. Mas em Angola continuamos a acreditar no milagre da improvisação: remendos apressados, peças contrafeitas, reparações feitas “à maneira de cada um.” O resultado é inevitável: a avaria não é exceção; é rotina.
E então, depois de tanta desordem, o contraste. Ao atravessar a fronteira e entrar na Zâmbia, Shaw encontra o TAZARA. Não é luxuoso, mas cumpre. As carruagens estão em ordem, os horários são respeitados, passageiros de diferentes países viajam com a confiança de que o comboio os levará onde promete. A diferença não está na opulência; está no essencial. Ali, o comboio comporta-se como um comboio.
O desapontamento não reside na paciência quase estoica de Shaw — que parece aceitar cada contratempo com serenidade — mas no que a sua viagem revela sobre nós. A linha de Benguela, celebrada como orgulho nacional, permanece hoje incapaz de servir o comércio moderno ou o turismo internacional. Continuar a exaltar o passado enquanto se ignora o presente é enganar-nos a nós próprios.
O que Angola necessita não é de remendos, mas de uma mudança cultural profunda. Segurança e eficiência têm de deixar de ser slogans e passar a ser valores nacionais, respirados no quotidiano. Os líderes devem fazer mais do que discursar. Devem participar em exercícios de evacuação, apoiar inspeções sérias, legitimar comités de fiscalização. A comunicação deve ser incessante e visível: cartazes nas estações, aulas práticas nas escolas, campanhas públicas que envolvam comunidades. As boas práticas precisam de ser celebradas e recompensadas; as falhas, expostas sem complacência. Resultados têm de ser medidos e divulgados. E, acima de tudo, é preciso colaboração: governo, empresas, universidades, sociedade civil, todos à mesa de decisão. A segurança não pode continuar a ser uma opção.
No fundo, isto não é apenas sobre comboios ou jipes. É sobre humildade, responsabilidade e a coragem de corrigir o essencial. Sistemas não colapsam por maldições ou fantasmas coloniais. Colapsam porque o descuido se torna hábito, porque o básico se despreza, porque o previsível é ignorado. Um extintor carregado, um motor revisto, um horário cumprido — não são luxos, são mínimos de seriedade.
O filme de Neil Shaw não acusa, não ergue o dedo. Limita-se a observar. Mas no silêncio da sua câmara há um desafio: continuaremos a tropeçar de incêndio em furo, de avaria em improviso? Ou aceitaremos, finalmente, que a seriedade de uma nação mede-se nos pequenos gestos, e que deles depende o caminho entre o atraso e o progresso?
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