O Duelo das Convicções- Sousa Jamba



Um bom debate deve assemelhar-se a um bom filme ou a um bom conto; deve deixar algo em nós, um rasto que continue a trabalhar quando o silêncio regressa; deve semear ideias no terreno fértil do espírito, para que nelas germine a reflexão, a dúvida e, quem sabe, a mudança. Porque um debate digno desse nome não é uma disputa de vaidades, mas um campo de cultivo onde o pensamento se ergue como planta tenaz, resistindo ao rumor e à pressa.


O de ontem à noite foi, nesse sentido, notável. De um lado, o Dr. Norberto Garcia, a defender com serenidade e rigor as posições do Executivo. Do outro lado, membros da sociedade civil, vindos de origens diversas e movidos por motivações igualmente distintas: alguns representantes de organizações cívicas, outros académicos, jovens líderes e activistas. Formavam um conjunto heterogéneo mas vibrante, animado por uma convicção comum, a de que o debate público é um espaço de cidadania, não de obediência. E foi nesse cruzamento de tons, entre o cálculo do poder e a urgência da rua, que o encontro encontrou a sua força; por momentos, a palavra deixou de ser apenas instrumento e tornou-se acontecimento.


Fisioterapia ao domicílio com a doctora Odeth, liga agora e faça o seu agendamento, 923593879 ou 923328762


Ainda assim, saí um pouco desapontado com o Dr. Norberto Garcia. É um pensador agudo, domina a língua com elegância e articula-se com rara fluência; esperava ver essas qualidades colocadas ao serviço do argumento, mas o que se tornou mais nítido foi a excelência do performer televisivo. No estúdio, a câmara favorece; ao vivo, onde o tempo corre sem rede e a plateia jovem já não é deferente, a engrenagem pareceu-lhe falhar por instantes. A noite, de resto, pertenceu a Jeiel de Freitas, activista do Huambo. Pode não se concordar com tudo o que defende, mas, no terreno estrito da dialéctica, venceu. O erro do Dr Noberto Garcia foi antigo e reconhecível: tentar definir o adversário pela via da psicologia, puxando de meia dúzia de factos para colocá-lo em defensiva, reduzir-lhe a margem de manobra e transformar o debate num exercício de domínio mental, em que tudo gira em torno do orador que pretende impor-se. Essa táctica exige conhecimento íntimo das fragilidades alheias e, não raro, arrisca a afirmação expedita que fere o ego antes de esclarecer a matéria; resulta com iniciados, raramente com quem chega preparado. Tentou aplicá-la a Jeiel de Freitas e encontrou alguém que conhecia o guião, entrou em ringue sabendo onde estavam as zonas de resistência do opositor, não cedeu ao convite para o desvio, manteve o eixo do tema e, ponto a ponto, impôs o jogo onde a força é o argumento e não a coreografia.


Houve ainda um momento que me deixou desconfortável, quando o Dr. Norberto Garcia, ao debater com Hélder Chihuto, que evocara a sua própria pobreza e as dificuldades da vida, respondeu que havia novas definições de pobreza, já que o homem diante dele vestia fato e gravata e se apresentava com distinção. Foi um golpe fácil, quase pueril, e, para mim, profundamente infértil. Senti tristeza, não apenas pela frase em si, mas pelo que ela revelava: uma condescendência disfarçada de ironia, uma superioridade que, no terreno das ideias, costuma trair um certo esgotamento interior. Momentos assim denunciam a fronteira perigosa entre a inteligência e a arrogância intelectual, aquele instante em que o engenho deixa de esclarecer para humilhar, em que a retórica se torna arma e não ponte.


Recordei o que um dos meus professores no Polytechnic of Central London chamava de barroom smartness, aquela esperteza de bar feita de respostas rápidas, trocadilhos hábeis e brilho superficial, mas sem verdadeira substância. É o tipo de inteligência que seduz momentaneamente, mas que no fim corrói o prestígio de quem a usa. Ao falar do fato e da gravata de Chihuto, o Dr. Garcia perdeu terreno moral; conquistou o riso breve, mas não o respeito. E, embora Chihuto não tenha respondido, o que talvez lhe tivesse valido o debate, o público percebeu a dissonância. Nesses detalhes subtis, nesses gestos quase imperceptíveis, decide-se muitas vezes quem realmente vence um confronto de ideias.


Em justiça, é preciso reconhecer que o Dr. Norberto Garcia também teve momentos de grande lucidez. A sua compreensão da arquitectura governativa, o domínio dos programas destinados à juventude e a leitura que faz da economia e dos desafios que o país enfrenta foram, de facto, impressionantes. Mostrou-se mais franco, mais incisivo, mais próximo da realidade. Parecia ter os pés bem assentes na terra e revelou-se, por instantes, um homem genuíno, dotado de uma empatia rara no discurso político.


O problema é que todos esses traços cativantes acabavam, por vezes, anulados por surtos de réplica artificial, por aquele desejo quase teatral de encurralar os adversários. Ainda assim, disse verdades importantes. Lembrou, com razão, que há jovens demasiado concentrados em iPhones e queixumes, pouco movidos pela vontade de trabalhar; mencionou, sem rodeios, uma certa superficialidade que atravessa sectores da juventude e, ao mesmo tempo, uma crise de valores que corrói a cultura do esforço.


Referiu-se também às mulheres, com uma franqueza que pode ser desconcertante, mas que não deixava de tocar em temas reais do quotidiano. E, quando alguns tentaram tirar partido do facto de ser pai de dez filhos, mostrou que a vida privada não deveria ser usada como arma, pois a informação pessoal, por mais curiosa que seja, não deve servir para distrair do essencial.


No conjunto, foi um debate valioso e instrutivo, uma dessas ocasiões em que o confronto de ideias enriquece mais do que divide. Saiu-se dele com a sensação de que todos, de um modo ou de outro, cresceram um pouco, que algo de útil ficou no ar. Foi, no fundo, uma noite de pensamento vivo, e disso o país precisa desesperadamente.


Siga o canal do Lil Pasta News clicando no link https://whatsapp.com/channel/0029Vb4GvM05Ui2fpGtmhm0a


Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação 

Postar um comentário

0 Comentários