O Choque, a Libertação e o Reencontro- Ademar Rangel

Há quem tema a possibilidade de André Ventura chegar ao poder em Portugal.

Eu, pelo contrário, vejo nisso uma oportunidade histórica, não pela política em si, mas pelo que tal choque pode desencadear dentro e fora da antiga metrópole.

Porque talvez seja preciso que Portugal se veja ao espelho, sem filtros, para que as suas antigas colónias finalmente cortem o cordão umbilical emocional, cultural e até psicológico que ainda persiste, muitas vezes de forma invisível.

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A relação entre Angola e Portugal vive há décadas numa espécie de zona cinzenta: uma mistura de nostalgia, dependência, paternalismo, ressentimentos mal resolvidos e expectativas silenciosas.

Nem é uma relação entre iguais, nem é uma relação colonial; é algo intermédio, por vezes desconfortável, por vezes útil, mas raramente claro.

Um ciclo destes — duro, frontal, quase brutal — pode ser exactamente o que faltava para que cada país reavalie o que realmente representa para o outro.

Portugal terá de decidir se quer continuar a olhar para África com saudade ou finalmente com respeito.

Angola terá de se olhar a si mesma e perceber que não precisa de validação de Portugal para se afirmar como potência regional e que o caminho natural faz-se trabalhando de forma séria, profunda e estratégica com os seus vizinhos e verdadeiros irmãos.

E ambos terão de aceitar que nenhum deve viver à sombra do outro, nem no orgulho, nem na culpa.

Paradoxalmente, é deste abalo que pode nascer uma relação adulta, madura, transparente e, pela primeira vez, verdadeiramente livre.

Porque quando cada um sabe quem é, já não precisa de provar nada ao outro.

E é exactamente aí que pode surgir a melhor relação que alguma vez existiu entre Portugal e Angola. Uma relação não por força da história, mas por escolha consciente de futuro.

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