Zambia Turbulenta- Sousa Jamba



Nesse outro país meu, a Zâmbia, numa pequena cidade mineira chamada Chingola, o dia de ontem abriu-se em sobressalto; a multidão encrespou-se, a voz da rua tomou corpo, e pedras riscaram o ar. Elementos turbulentos romperam o cordão e chegaram perto do Presidente, Hakainde Hichilema; atiraram-lhe, ele curvou-se, desviou-se, e o comício ficou suspenso num segundo longo. Mais tarde, no estádio cheio para um grande jogo de futebol, o rumor grosso tornou-se perseguição; viu-se obrigado a sair, não por falta de coragem, mas porque a fúria, uma vez acesa, procura sempre atalho. A Zâmbia é uma democracia aprendida na praça; os políticos precisam de tocar as mãos que os julgam, de ouvir a palavra que os desafia, de caminhar por entre rostos que não escolhem.


Há nos arredores uma mina abandonada; bandos de jovens desempregados descem ao ventre escuro para raspar resíduos de minério, cobre, ouro, o que couber na sorte, e vendem o apurado. Formam grupos de ocasião, quase milícias, com padrinhos políticos a cobrir-lhes as costas. Quando o Presidente determinou que a exploração fosse feita com ordem e com segurança, muitos ficaram de fora; a irritação subiu-lhes ao sangue, e a raiva, órfã de ofício, encontrou na rua um palco fácil.


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Antes disso ardera o mercado de Chiwempala; ele veio ver os estragos, escutou perdas ditas com a voz embargada, e prometeu meio milhão de dólares para começar a reparar o que o fogo levou. O gesto, porém, ficou toldado por um punhado de rapazes musculados e ressentidos, os mesmos que viviam da mina desfeita; interromperam a visita, berraram impaciências, e trocaram o luto comum por bravata. É este o desafio que lhe cabe: restituir regras ao subsolo e decência à superfície; manter a proximidade que dá votos, sem ceder a quem confunde a praça pública com garimpo.

No ecrã paralelo das redes a oposição é presença diária; parte da sua energia opera de fora, no Reino Unido e nos Estados Unidos, com oficinas digitais afinadas e mão ligeira na montagem. Em Chingola, telemóveis erguidos gravaram tudo; vídeos caseiros saltaram de mão em mão e chegaram, sem convite, às salas da diáspora. Do outro lado, houve exaltação e proveito; imagens repetidas viraram manchetes improvisadas, legendas certeiras, slogans que pedem incêndio. Erigiu-se a narrativa de que o Presidente fora corrido, de que havia revolta em Chingola; não é verdade. Antes dos incidentes, ele fora recebido com entusiasmo; o ruído veio depois, aceso por poucos e amplificado por muitos.

Figura notória dessa frente digital é Emmanuel Mwamba, antigo embaixador da Zâmbia na Etiópia e na África do Sul; conduziu um especial de três horas, linhas abertas, com zambianos espalhados pelo mundo que não suportam Hakainde Hichilema. 


As queixas alinharam-se, os epítetos correram, e a narrativa ganhou relevo no prolongamento do direto. É o novo contorno do governo num tempo de vidro e voz alta; administrar a praça e o ecrã, escutar o mineiro que perdeu o ganha-pão, contrariar o ativista remoto que procura um enredo, e manter, no meio do tumulto, o fio da verdade.


Os zambianos não se deixam amordaçar; a sociedade repele a violência e pratica uma democracia exigente, feita de fala franca e de instituições que, apesar de falhas, merecem confiança. A justiça conta, e conta muito; é tribunal e também referência moral para o quotidiano. E há a outra palavra decisiva: voto. Em 2026 o país voltará às urnas; não faltam presidenciáveis a ocupar antena, a prometer remédios imediatos para males antigos, incluindo os cortes programados de energia, o chamado load shedding. Até lá, cabe ao poder não confundir crítica com subversão e à oposição não trocar cidadania por estrépito; a democracia faz-se de regras, de paciência e de uma verdade que resiste ao ruído.


Inquieta, contudo, um fenómeno de espuma brilhante e consequência opaca: certos ativistas digitais, postos no estrangeiro, que na leveza do ecrã incitam à violência e à quebra da lei. Quem paga a fatura, no chão, é quase sempre o pobre; não tem meios, nem advogado, nem quem responda por ele quando a lei desce pesada. Enquanto isso, do lado de lá, a audiência converte-se em moeda; seguidores somam-se, patrocínios aparecem, a indignação transforma-se em negócio. Vive-se bem em Londres ou na América; cafés de cadeia, wi-fi pronto, apartamentos com jardim, filhos em boas escolas, seguro de saúde, a vida composta. De quando em quando prescreve-se insurreição a quem ficará exposto; quem prescreve mantém-se a salvo, de chá fumegante na mão e calendário sem riscos. No fundo há cálculo: se o poder mudar, virá um cargo, uma consultoria, um posto diplomático; a ponte de regresso faz-se com a mesma retórica que incendiou a praça. Fica o país com as cicatrizes; e a democracia, que pede responsabilidade por cada palavra lançada ao vento, não floresce quando a distância transforma pessoas em instrumentos.


Há quem repita que o fim justifica os meios; citam, com ar grave, que não se faz omeleta sem partir ovos. O problema é simples e cruel; os ovos, nessas lições de bravura, são sempre os dos outros. Quem agita a frigideira não queima os dedos, quem dá a palavra de ordem não dorme na cela. Se os ovos fossem seus, talvez escolhessem a prudência; a via estreita da lei, a paciência que mantém de pé a casa comum.


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