Há pessoas que trabalham.
Há pessoas que falham.
E há pessoas que, para justificar falhas alheias, decidem convocar Jesus Cristo para a arena política. Norberto Garcia pertence claramente a esta última categoria.
Em mais uma entrevista, desta vez a um canal do YouTube, esse novo concílio ecuménico da opinião ligeira, o homem do chamado gabinete de ação psicológica do Presidente João Lourenço brindou-nos com outra pérola verbal. Disse, com notável segurança retórica, que até Jesus Cristo falhou na previsão dos seus milagres. Logo, se o Messias falhou, o Presidente da República não podia ser diferente. Também tem, segundo o raciocínio, a prerrogativa de falhado.
É uma teologia política inédita. Jesus Cristo passa a ser apresentado não como Filho de Deus, mas como gestor com falhas de planeamento estratégico. Talvez tenha subestimado riscos, talvez o cronograma dos milagres não tenha sido bem executado, ou quem sabe o problema tenha sido mesmo a comunicação institucional do Reino dos Céus.
A Bíblia, coitada, nunca nos falou disso. Pelo contrário, garante que “tudo quanto Ele fazia era perfeito”. Mas Norberto Garcia sabe mais. Ele descobriu o milagre que falhou, ainda que, curiosamente, não consiga apontar qual.
Depois veio o arremate clássico: “só falha quem trabalha.” Uma frase que, de tanto ser repetida, já pede aposentadoria. Porque há quem trabalhe e acerte. E há quem trabalhe, falhe… e depois falhe também na explicação da falha.
Não é a primeira vez. Norberto vai colecionando frases como quem coleciona cromos raros. Lembram-se daquela? José Eduardo dos Santos, “uma figura rara em África que devia ser replicada”. Replicada como modelo? Como sistema? Ou como advertência histórica? Ficou por esclarecer.
O curioso é que, quanto mais a governação precisa de argumentos sólidos, mais surgem metáforas frágeis. Quando já não chega a economia, convoca-se a fé. Quando faltam resultados, cita-se Jesus. E quando a realidade aperta, inventa-se um evangelho alternativo onde o milagre falha, mas o poder permanece.
Na Bíblia, Pedro negou Cristo três vezes.
Na política angolana, Cristo é chamado para negar evidências.
Resta-nos esperar pela próxima pérola. Talvez Moisés tenha errado o caminho do Mar Vermelho. Talvez Noé tenha falhado na previsão do dilúvio. Tudo é possível quando a retórica perde o pudor.
Até lá, seguimos atentos. Porque, ao ritmo a que vai Norberto Garcia, em breve teremos uma nova versão das Escrituras:
“No princípio era o Verbo… e o Verbo tropeçou.”
E, claro, a culpa nunca será do poder. Será sempre do milagre.
CRÔNICA | HORÁCIO DOS REIS - JORNALISTA
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