Ser figura pública tem um preço que não se paga apenas em contratos, patrocínios e palcos cheios; paga-se também em privacidade cedida, em parcelas da vida íntima que passam a pertencer, em parte, ao olhar colectivo. Quem escolhe ser cantor famoso, supermodelo, actor ou futebolista assina, queira ou não, um contrato invisível com o público: as pessoas vão interessar-se pelos seus amores, pelos seus filhos, pelos seus silêncios.
Em Angola, esse interesse toma muitas vezes a forma do mexerico, do chamado gossip. Tendemos a tratá-lo como sinónimo de maledicência pura; a realidade, porém, é mais complexa. Falar de pessoas ausentes cria intimidade e uma sensação de pertença que alivia a solidão. É também um sistema rápido de circulação de informação sobre reputações, que permite aprender em quem confiar sem sofrer directamente as consequências do erro. Quando se comentam violações de normas, o grupo reafirma limites e expectativas; quando assume uma forma pró-social, o gossip protege potenciais vítimas e reforça comportamentos cooperantes.
É dentro deste quadro (onde a conversa sobre os outros serve para reforçar normas e avaliar reputações) que devemos ler a novela pública em torno de Sharam Diniz e C4 Pedro. A supermodelo angolana foi a primeira a assumir a gravidez e a revelar que o pai do bebé era o cantor. Fez, em suma, aquilo que as mulheres em geral fazem: deu a cara, deu o corpo, deu o nome. Mais tarde, numa entrevista, C4 Pedro confirmou que, sim, era o pai da criança que Sharam está a carregar; logo de seguida, ergueu um muro: declarou que não fala da sua vida privada e que quem quiser saber com quem está, em que termos está, ficará sem resposta.
Do ponto de vista da gestão de imagem, percebe-se o cálculo. As estrelas masculinas vivem uma tensão particular: o mercado exige que pareçam disponíveis, emocionalmente ao alcance, para que milhares de fãs possam projectar neles as suas fantasias. Do ponto de vista da cultura que ainda gostamos de chamar africana, porém, há aqui uma dissonância que não podemos fingir que não vemos.
No limite, até se poderia imaginar C4 Pedro a dizer: “Sou africano, sou o homem africano com vários filhos, a cumprir o mandamento de crescei e multiplicai-vos.” Mesmo esta frase teria pelo menos a honestidade de assumir uma visão do mundo. O problema é que não pode ficar só nisso: teria de explicar em que base o faz, que tipo de compromisso assume, que estrutura familiar imagina, que responsabilidades aceita. Se quer habitar o arquétipo do “rei” fértil, convém lembrar que, mesmo nos reinos tradicionais, quando um soberano engravida uma jovem do seu povo, há uma palavra pública, há enquadramento. A fertilidade pode ser bênção; sem explicação e sem estrutura transforma-se em capricho.
Em Angola, há uma questão que ultrapassa o marketing e entra na esfera da honra. Continuamos a viver num universo simbólico onde a dignidade de uma mulher e da sua família se mede pela forma como o homem se apresenta perante os seus. O cenário que muitos ainda considerariam ideal é simples: o pretendente dirige-se à casa dos pais, leva uma carta, inicia o diálogo entre as famílias; discute-se o alambamento, definem-se gestos, compromissos. Cada tio, cada ancião sente que o seu nome foi respeitado. Quando isso acontece, não é apenas a jovem que é valorizada; é o clã inteiro que se sente erguido.
Nós, angolanos, já vimos isto acontecer em grande escala. Lembramo-nos de quando os pais nigerianos do então noivo de Leila Lopes viajaram até Benguela e cumpriram todos os rituais para pedir a sua mão; havia um sentimento difuso de que a nação, na sua identidade mais íntima, estava a ser respeitada. Do mesmo modo, muitos recordam a ida de C4 Pedro ao Lubango para se apresentar à família da Ary: um espectáculo tradicional luminoso, cheio de cor e simbolismo, perante um país que via naquele gesto uma conciliação feliz entre modernidade e costume.
É à luz desses episódios que o silêncio estratégico de C4 Pedro, agora, soa tão estridente. Não se trata de exigir que detalhe cada nuance da relação com Sharam Diniz. O que incomoda muitos angolanos é ver um filho anunciado ao país sem que, pelo menos no plano simbólico, se veja qualquer gesto de aproximação formal à família da mãe. Para muitas sensibilidades africanas, não basta: faltam os pais dela; faltam os tios; falta a conversa entre famílias; falta a percepção de que o clã foi tratado com o respeito devido.
Do lado dela, o peso é bem diferente. A mulher é que carrega a barriga, que enfrenta os enjoos, que sente os olhares. Em muitos círculos angolanos, mesmo urbanos e escolarizados, a ideia de ter um filho fora de qualquer horizonte de compromisso formal ainda provoca murmúrio; não tanto por puritanismo, mas porque persiste a sensação de que se saltou por cima de um sistema de honra construído à volta da família. A carga recai sobretudo sobre Sharam, ainda que o homem seja, biologicamente e moralmente, parte igual da equação.
Se C4 Pedro quisesse realmente reivindicar a figura do “homem africano” com vários filhos, poderia fazê-lo de forma consequente: explicar em que modelo de família acredita, como pretende reconhecer cada criança, que lugar atribui a cada mãe na sua vida. Poderia ir à casa dos pais de Sharam, sentar-se com os tios, marcar a presença. Poderia dizer ao país: “Sim, sou o pai, e é assim que assumo esta responsabilidade.”
Ao recusar explicar minimamente como se posiciona perante esta nova vida que ajudou a criar, C4 Pedro não está apenas a proteger a sua privacidade; está, aos olhos de muitos, a virar as costas a uma gramática africana de respeito que ele próprio encenou, com brilho, noutros momentos da sua vida.
Ninguém lhe pede que exponha a intimidade de Sharam, nem que transmita em directo as reuniões entre famílias. O que se pede, em nome da cultura que tantas vezes celebramos, é isto: um gesto claro, uma palavra que situe esta criança e esta mulher num quadro de responsabilidade assumida.
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