Estávamos em meados de 2007 quando, subitamente, os projectos e empreitadas às mãos dos chineses em Angola começaram a tossir convulsivamente e ameaçaram paralisar a construção de infra-estruturas diversas, desde escolas primárias e secundárias a casas sociais, estradas e ferrovias. Era a primeira vez que tal acontecia, tendo-se gerado um pânico desgraçado nas novas relações económicas que estavam a ser edificadas por Angola e China. O Estado chinês tinha dado um passo atrás e o governo angolano pôs-se em pulgas com receio de perder a única garantia de obtenção do dinheiro fresco de que necessitava, como o pão para a boca, para custear a reconstrução nacional e que não encontrou nos países ocidentais.
Pela primeira vez também saltavam para o domínio público revelações de bastidores que desabonavam os meandros dessa parceria, até então envolta num ambiente de pouquíssima ou nula transparência. A reputação dos principais tentáculos dessa parceria – o Gabinete de Reconstrução Nacional (GNR) às ordens do general Kopelipa, por lado de Angola, e o China International Fund (CIF), pela parte chinesa – quase caiu na lama, diante das intensas suspeitas que corriam então sobre a «evaporação» de grandes fatias dos fundos alocados pelos chineses.
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Rapidamente, no entanto, as autoridades chinesas e angolanas lograram reverter o cenário. Esconderam as pontas soltas que comprometiam a parceria, repondo-a nos carris. Na altura, o nosso Ministério das Finanças viu-se obrigado a divulgar, pela primeira vez, alguns números que mostravam, embora de maneira vaga e inconsistente, para onde eram canalizados os dinheiros dados pela China a troco de petróleo angolano.
As autoridades chinesas, por seu lado, trataram de aparar os elos mais embaraçosos da cadeia, detendo ou sujeitando a multas alguns empresários apanhados em práticas irregulares. Mais tarde chegaram ao ponto de tirar do caminho a Hangxiao Steel Structure Co Ltd, companhia chinesa que tinha o monopólio do fornecimento de aço às obras em Angola, apesar de, como veio a saber-se pouco depois, ela na realidade não deter nem capacidade nem estrutura para tanto.
O comboio da parceria com a China rapidamente voltou aos carris, retomando o seu normal percurso até aos dias de hoje, quando se encontram concluídas muitas e importantes empreitadas. O novo aeroporto internacional de Luanda é que ainda não foi concluído, mas, em compensação, os três caminhos-de-ferro do país foram reabilitados, bem assim como as principais rodovias que ligam o litoral às regiões do interior. Em Luanda brotaram algumas fábricas e vários conjuntos de escolas e habitações de baixo custo surgiram em diversos municípios pelo país a fora.
MUITAS INTERROGAÇÕES
Aqui chegados, poderíamos deixar-nos levar pela tentação e comodidade de correr a cortina sobre a cena e fazer soar os aplausos. Mas não. Há aspectos nebulosos da parceria angolana com o gigante asiático que não podem simplesmente ser ignorados. Seria como que varrer o lixo para debaixo do tapete. A ser verdade, as cíclicas suspeitas que dão conta de sumiços de enormes somas dos fundos chineses poderão fornecer uma explicação plausível para a baixa qualidade e outras irregularidades verificadas na generalidade das obras chinesas em Angola. Muitas delas, como rodovias e ferrovias, já revelam uma premente necessidade de serem intervencionadas, para reabilitação ou mesmo para que se faça tudo de novo.
Ora, o problema é que o cenário de mais e novos recursos a serem canalizados na reparação e/ou construção de estradas, linhas férreas, habitações, etc., pode ter efeitos comprometedores para a vida das futuras gerações, somente por incúria e mentalidade de rapina dos actuais governantes. Mas não é tudo. Não precisamos de andar a procurar agulhas em palheiro para acharmos exemplos de muita coisa que foi feita, pura e simplesmente, para ser descartada dentro de escassos anos.
Para começo, na melhor das hipóteses todas as linhas férreas terão de ser redefinidas. Caso contrário elas jamais aguentarão composições ferroviárias de alta velocidade. A lentidão com que circulam actualmente os comboios nas nossas linhas férreas não é compatível com os tempos modernos. Outro handicap: ninguém pensou em vias duplas – as que temos são unidirecionais e não permitem que comboios que trafeguem no mesmo troço, linha e à mesma hora possam cruzar-se. Raios, nem sequer temos refúgios nas nossas linhas.
Alguém, por certo, se terá esquecido que a roda andou e o mundo já está no século 21, em que a velocidade comercial de um comboio de passageiros tem de ser para cima de 100 km/hora. Quem pretenda ir de Luanda para Malanje seguramente preferirá meter-se num Hiace, para fazer o percurso em pouco mais de três horas, a ter de enfrentar o suplício de passar umas 12 horas enlatado numa carruagem. Não é segredo para ninguém que o comboio para «Malásia» circula a velocidade de um burro no troço entre a localidade de Maria Teresa e a cidade de Ndalatando. Por problemas de engenharia, nesse troço de cerca de 200 km, o comboio não pode exceder os 30 km/h, queimando só aí umas seis horas.
Tal como andam as coisas, alguém acredita que, dentro de mais uns 5 anitos, o Zango não estará já convertido num autêntico gueto? Não teremos, no extremo, criado antecipadamente condições para as suas gentes, eventualmente, virem a «levantar-se» para exigir novas habitações e equipamentos sociais mais condignos?
Os nossos decisores dir-nos-ão, certamente com a empáfia e a lenga-lenga do costume, que não houve dinheiro para mais, ou que os recursos actuais não chegam para tudo. Mas, diacho, alguém porventura acredita que foi por escassez de recursos que se negociou um projecto do tipo «chave na mão» como é a Cidade do Kilamba, sem que ela contemplasse, à partida, infra-estruturas indispensáveis à vida num aglomerado urbano para mais de 200 mil pessoas?
Reconhecemos que em matéria de política habitacional, e sobretudo no que diz respeito a construções de baixa/média renda, a Cidade do Kilamba é, indiscutivelmente, o cartão postal dos angolanos. Mas salta-nos pelos olhos a dentro a incongruência que é edificar uma cidade com uma escola e quase uma creche por cada bloco de uns 2000 apartamentos, sem se prever um único hospital para toda a cidade. O que há no Kilamba é um posto-médico improvisado às pressas quando os moradores reclamaram da falta de uma unidade hospitalar.
Também não havia lá coisas básicas como um aquartelamento de sapadores-bombeiros ou uma esquadra de polícia, para não falar que o sistema para drenar águas e dejectos para fora da urbe ainda se encontra em construção.
Por junto e atacado, bem se vê que todas essas falhas e insuficiências terão a ver não apenas com a nossa habitual mentalidade de rapina, mas também decorrem de má negociação. Isto mesmo! Tivessem sido devidamente negociados logo a montante, os projectos e empreendimentos entregues aos chineses não apresentariam muitas das falhas e insuficiências aqui apontadas.
BARRETES E IMPOSIÇÕES
Mas voltemos a 2007, quando a parceria entre angolanos e chineses quase emperrava. Nessa altura, já o Semanário Angolense chamava a atenção do público para um factor que certamente terá resultado em negociações com prejuízo para Angola: o mau domínio da mentalidade chinesa e da sua cultura organizacional.
Parecendo que não, é um factor que conta muito em qualquer negociação com os chineses. Há quem, por essa razão, suspeite que os empreendimentos chineses em Angola terão ficado muito acima do seu custo real. É que os chineses não dão ponto sem nó!
Meio mundo ainda estará lembrado dos barretes que levamos dos chineses, no final da década passada, na aquisição de centenas de autocarros para prover o sistema de transporte rodoviário urbano de Luanda. (Ver Semanário Angolense nº 316, de 16 a 23 de Maio de 2009). Com efeito, negociadores angolanos enviados à China pelo Ministério dos Transportes foram completamente «enrolados» e acabaram trazendo de lá veículos com inúmeras insuficiências técnicas, além de que estavam claramente desadaptados às condições e ambientes de Angola, desde o clima às estradas.
Conta-se também que nos termos do acordo firmado para essa importação, uma completa imposição da contra-parte chinesa, foi inclusivamente inviabilizada uma cláusula complementar que permitisse à Angola adquirir no mercado europeu um equipamento de detecção de avarias. Tudo porque essa importação estava totalmente atrelada a uma linha de crédito chinesa que impunha restrições territoriais sobre as aquisições angolanas, limitando-as à China.
É, de resto, o que se tem passado com a generalidade das empreitadas chinesas, um opíparo banquete do qual participam apenas alguns «angolanos especiais e de sangue azul». Quais parentes pobres, mantêm-se arredadas destas obras inúmeras empresas nacionais que necessitam delas não apenas como fonte de obtenção de lucros financeiros, mas essencialmente como uma incubadora para aquisição de experiência para o seu crescimento e maturidade.
Milhares de operários angolanos estão igualmente arredados dessas obras. Os que conseguem trabalhar nelas fazem-no frequentemente em condições pouco mais do que escravistas.
Só por esse episódio se pode ver como os chineses não dão ponto sem nó. De sorte que não é necessário entrar em grandes ginásticas mentais para se imaginar a magnitude de outros prejuízos bem mais gravosos contraídos noutras áreas do relacionamento com o dragão asiático.
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