Para mim os principais gargalos da FMUAN no momento são:
O corpo docente: não no sentido da quantidade, mas no sentido da dedicação efectiva e da qualidade, de certa forma.
Hoje temos mais Doutores e Mestres, mas, estranhamente, temos menos professores de facto. É preciso retomar os cursos de agregação pedagógica e investir na formação contínua dos docentes, multiplicando as oportunidades de formação pós-graduada – latu sensus ou strictu sensus -.
Por outro lado, há uma parte do corpo docente que está a envelhecer e está desgastada por causa das condições de trabalho estressantes a que foram submetidos durante muitos anos, havendo, por isso, a necessidade de recrutar continuamente jovens para a docência.
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Quer seja para atrair jovens para docência, quer seja para garantir maior dedicação, empenho e comprometimento do corpo docente actual, o que é fundamental, será necessário oferecer aos docentes condições de trabalho atractivas, desde logo, uma revisão profunda na condição remuneratória dos docentes e do corpo de funcionários.
Currículo: penso que o currículo actual preenche as condições de formação de médicos com o perfil necessário para Angola.
Contudo, a insuficiência de meios de ensino, compromete muitas vezes o cumprimento curricular, sobretudo dos conteúdos práticos.
Ora, para o ensino da medicina, os conteúdos práticos jogam um papel preponderante no que toca à aquisição de habilidades absolutamente necessárias. Ex: as peças frescas anatómicas, fundamentais para o ensino de anatomia, são cada mais escassas. Quando o aluno é “deformado” em matérias morfológicas como anatomia, histologia e mesmo biologia celular terá dificuldades de entender disciplinas de funcionamento como fisiologia e muito menos disciplinas clínicas como semiologia e cirurgia. Um bom cirurgião precisa conhecer profundamente a anatomia.
É certo que hoje, as técnicas de imagem e de simulação disponíveis podem suprir, em parte, estas insuficiências em meios de ensino, mas os laboratórios da FMUAN não estão equipados nesta perspectiva e a direcção anterior permitiu, de ânimo leve, que fosse vandalizado o único laboratório de simulação médica, montado durante a gestão do Prof. Miguel Bettencourt e que, aliás, custou muito dinheiro aos cofres públicos.
Investigação Científica e Extensão: Nenhum país se desenvolve hoje se não assentar o seu desenvolvimento em pesquisa científica de qualidade em áreas cruciais. Uma destas áreas é, sem dúvida, a área de ciências biológicas e de saúde. A FMUAN não estará a desempenhar cabalmente o seu papel se não contribuir substancialmente com conhecimento científico nestas áreas, sobretudo no conhecimento da realidade angolana. Por exemplo, que subsídios a flora angolana pode trazer à farmacologia? É uma pergunta a que teremos que responder um dia e esta resposta só se obtém por via da investigação científica apurada e aturada.
Há aqui dois grandes obstáculos ao desenvolvimento da investigação científica em Angola:
1- A dedicação dos docentes e investigadores que só poderá ser melhorada na perspectiva da revisão do estatuto remuneratório dos docentes e investigadores. É curioso que este estatuto, que já foi diferenciado há alguns anos, hoje se diluiu por completo na remuneração atribuída à função pública e não atrai jovens para a docência e compromete a dedicação integral do corpo docente existente. Tudo isto acontece mesmo diante das persistentes reivindicações do Sindicato que representa os docentes do Ensino Superior para as quais os governantes fazem ouvidos de mercador.
Sem esta dedicação é impossível conduzir a bom porto projectos de investigação consistentes e coerentes, capazes de produzir resultados substantivos.
2 – O financiamento da investigação é quase nulo, o que se traduz na falta generalizada de laboratórios competentes, absolutamente necessários quando se trata de investigação nas áreas biológicas e de saúde. A pouca motivação de docentes e investigadores para desenvolver projectos de investigação é também reflexo desta falta de apoio multidimensional.
Infraestrutura: ausência de laboratórios e avançada degradação das estruturas existentes, salas de aulas, espaços administrativos; ausência de biblioteca física e virtual, digna do nome.
E, por último, a inexistência de um hospital universitário como tal e a enorme dispersão dos departamentos clínicos.
Esta é uma questão muito antiga, que só por incúria e disputas mesquinhas entre políticos e profissionais não se resolveu até hoje.
Só por razões tórpidas, o Hospital Américo Boavida não se transformou num Centro Hospitalar Universitário como é o Hospital Santa Maria em Lisboa, Santo António, no Porto, e o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
Muitos outros exemplos poderiam ser apontados, onde a existência de um centro hospitalar de excelência ocupa um lugar capital no ensino clínico e na investigação científica de cunho clínico e fundamental. Por esta indefinição o ensino clínico, entre nós, se viu bastante prejudicado, pois, a permanência dos docentes no quadro do hospital ficou à mercê da boa vontade das sucessivas direcções do HAB.
Se em alguns casos a relação era harmoniosa, facilitando o trabalho dos docentes, com certas direcções a relação era mais tumultuada e isto se repercutia directamente no desempenho dos docentes das áreas clínicas. A falta de um protocolo consistente entre o MINSA e a UAN, na ausência de um Centro Hospitalar Universitário como tal, é um factor prejudicial ao ensino clínico na FMUAN.
No consulado do Dr. Santos Nicolau (o decano que encerrou os laboratórios) e durante a pandemia, a relação FMUAN/HAB se tornou mais tumultuada e pode-se adivinhar daí os avultados prejuízos para o ensino clínico na FMUAN. Para piorar, os alunos do ciclo clínico têm hoje que disputar primazia, em outros hospitais, como Hospital Maria Pia e do Prenda, com estudantes das universidades privadas. É evidente que os tutores nestas unidades hospitalares preferem prestar maior atenção aos alunos das universidades privadas, pois recebem destas pagamentos que engrossam substancialmente os seus rendimentos.
Em suma, podemos dizer que houve nos últimos anos uma verdadeira depleção de investimentos na FMUAN, em particular, e da UAN em geral, o que levou a uma completa desmotivação do corpo docente, à não actualização dos meios de ensino, que determinou desvios curriculares graves, incipiente investigação científica e extensão universitária e degradação da estrutura física da FMUAN.
Este desinvestimento é fruto de medidas de política que retiraram da universidade das prioridades e a captura da universidade pelo Partido-Estado que atropelou a Autonomia da Universidade, que é indispensável para que se respeitem as liberdades académicas. Sem que elas sejam respeitadas não se pode esperar que a academia se converta numa autêntica alavanca do desenvolvimento sustentável do País.
* Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina da UAN (FMUAN), disciplina de Bioquímica Mestre em Bociências pelo Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), 2007 Licenciado em Medicina pela FMUAN, 1989.
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