Na Dirá- Sousa Jamba



Na fervilhante cidade de Luanda, um sermão inflamado, proferido em Umbundu por um pastor oriundo do Huambo, lançou um olhar severo sobre a Rua da Dirá — uma artéria que, segundo o seu juízo moral, se transfigurou num autêntico antro de perdição. Com veemência, declarou que ali se congrega tamanha panóplia de vícios que, caso o próprio demónio resolvesse descer à Terra, escolheria tal via para instalar a sua sede e convocar a sua conferência de imprensa. Porém, impõe-se a interrogação: será esta reputação merecida?


A minha própria percepção foi recentemente desafiada por um documentário, Vídeos do Primata, realizado por um videógrafo perspicaz. As imagens captadas desvendam uma Rua da Dirá muito distinta da caricatura moralista: um modesto aglomerado de pequenos estabelecimentos onde os habitantes locais compram espetadas, tomam sopa após libações alcoólicas, e se encontram com conhecidos oriundos de diversos bairros da capital. Um espaço social que emerge como resposta espontânea à frieza dos blocos de betão de Zango — urbanizações erguidas sem sensibilidade para os laços comunitários e as tradições culturais daqueles que ali foram realojados.



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Com efeito, a Rua da Dirá afirma-se como um antídoto à alienação. Ao contrário das construções padronizadas e desumanizadas de Zango, onde o convívio é rarefeito, aqui prospera uma forma de vida social que resgata a essência do quotidiano angolano: a proximidade, a partilha, o diálogo sem relógio. Locais como o Espaço Tia Maria do Sarabulho, a Cremosa do Último Tarracho ou a cozinha da emblemática Madam Joana Bem Quente transcendem a sua vocação comercial, convertendo-se em extensões da casa, quase evocando o ethos da aldeia africana, onde o comer solitário é exceção e o convívio à mesa é regra.


Contudo, onde circulam homens e dinheiro, não tardam a surgir mulheres jovens — e com elas, o juízo apressado da sociedade. Estabelecimentos frequentados por homens de meia-idade, por vezes assombrados por inseguranças afectivas e existenciais, oferecem um cenário para a ostentação do salário recém-recebido e para a indulgência em fantasias passageiras. As mulheres, conscientes do valor que a juventude lhes confere num mercado não regulado, participam num pacto tácito que, por vezes, responde a carências emocionais tão agudas quanto as necessidades económicas.


Seria, no entanto, mais sensato e humano que o Estado intervisse de forma construtiva. Um programa público que dotasse estas mulheres de competências sustentáveis — da culinária à mixologia, passando pela gestão de pequenos negócios — permitir-lhes-ia uma saída digna deste ciclo. Imagine-se um espaço onde cada mulher gere o seu quiosque, com autonomia e reconhecimento social. A tarefa de suprir a demanda emocional destes homens, porém, é de natureza mais complexa — pois não se trata apenas de pobreza material, mas também de solidão e de uma masculinidade ferida.


O fenómeno ganhou contornos de comédia social com o êxito de Na Dirá, de DJ Lolo, cuja representação de um homem maduro a divertir-se com jovens na famosa rua arrancou gargalhadas ao país. Mas o riso, embora libertador, não dissolve os dilemas éticos subjacentes. Compreender os motivos — desde o desejo mais instintivo até às dinâmicas psico-sociais mais intrincadas — que levam homens a procurar prostitutas naquela zona é crucial para conceber estratégias que combatam a exploração e o tráfico. Se tais impulsos pudessem ser replicados no seio conjugal, talvez o fascínio por essas escapadas diminuísse. É necessário fomentar relações conjugais onde a partilha de momentos, a empatia e o desejo mútuo não esmoreçam com o tempo.


Um dado perturbador atravessa os relatos sobre a Rua da Dirá: a crescente objetificação e a erosão da empatia. Muitos homens, ainda que cientes das condições coercivas que levam estas mulheres à prostituição, persistem em vê-las como meros instrumentos de prazer. Há quem defenda que se trata de escolhas individuais — mas o que dizer de um “consentimento” obtido sob coação socioeconómica? Não será esse “livre arbítrio” comparável ao salto de um prédio em chamas? Tecnicamente voluntário, mas na verdade desprovido de alternativas.


Intervenções criativas poderiam, no entanto, contribuir para uma cultura conjugal mais sólida. E se as casas de hóspedes apenas recebessem casais munidos de certidão de casamento? E se o custo da estadia e da cerveja diminuísse consoante os anos de matrimónio — com camas king-size e espumante à espera dos que perseveram? Seria um modo inusitado de valorizar a fidelidade, o compromisso e a reinvenção da intimidade.


A problemática da Rua da Dirá é demasiado complexa para soluções simplistas. Exige educação, empoderamento económico, mudança cultural. Requer empatia, visão e coragem política. Os sermões inflamados que ressoam pelos bairros são, afinal, sintoma de uma inquietação mais funda: o desejo colectivo de uma sociedade mais justa, mais íntegra, mais atenta à dignidade de todos. Talvez o futuro da Rua da Dirá não passe pela condenação moral, mas pela sua reinvenção como espaço de pertença, de cuidado e de humanidade.


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