Num recente encontro entre a União Europeia e África, realizado em Bruxelas, o Ministro das Relações Exteriores de Angola, Sua Excelência Téte António, solicitou proferir as suas intervenções numa conferência de imprensa em português, a língua oficial da República de Angola. O pedido foi recusado. Os organizadores informaram que as declarações se restringiriam ao inglês ou ao francês. O momento passou discretamente, mas as suas implicações perduraram.
Alguns observadores deduziram deste episódio que o Ministro talvez não dominasse o inglês. Tal interpretação é equivocada.
Tive a oportunidade de entrevistar o Ministro António em inglês, há alguns anos, enquanto colaborava num serviço noticioso pan-africano que abastecia emissoras de televisão em África, nas Caraíbas e no mundo anglófono mais amplo. As suas respostas foram serenas, articuladas e precisas. Ao concluir a entrevista, voltou-se para outro jornalista e respondeu com fluência em francês. O que se observou não foi hesitação, mas discrição. Não incapacidade, mas uma escolha diplomática.
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A decisão do Ministro de falar em português não se fundava em limitações linguísticas, mas em protocolo, tradição e arte de governar. Em contextos multilaterais, altos representantes frequentemente utilizam a língua oficial do seu país não apenas para comunicar, mas para afirmar. A língua confere clareza. A língua encarna a soberania. A língua salvaguarda a legalidade. A língua garante a inclusão. A língua reflete a história. A língua vincula o orador aos cidadãos que representa. O ato de falar a própria língua em tais cenários é, simultaneamente, um gesto e uma declaração.
Esta prática não é exclusiva de Angola. É observada por Estados em todo o espectro internacional. O Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, embora proficiente em inglês, conduz trocas oficiais em russo. Diplomatas brasileiros, versados em múltiplas línguas, expressam-se em português em procedimentos formais. O antigo Presidente francês François Hollande, apesar do seu domínio do inglês, raramente se afastava do francês em discursos oficiais. Estas escolhas não são fortuitas. São calculadas e deliberadas. Reafirmam o princípio de que nenhum país deve recorrer à língua de outrem para ser ouvido em igualdade de circunstâncias.
Tais normas estão entretecidas na trama da diplomacia global. Instituições como as Nações Unidas consagram o multilinguismo não como ornamento, mas como alicerce. A interpretação não é uma cortesia facultativa. É uma necessidade estrutural. Garante a paridade, previne distorções e promove os ideais democráticos que sustentam o multilateralismo.
Neste contexto, a ausência de interpretação em português no congresso não foi trivial nem excusável. Não constituiu uma falha da delegação angolana, mas uma lacuna na planificação e na provisão. Com países lusófonos presentes e envolvidos, a omissão revela uma falta de preparação para acomodar a plena realidade linguística do continente africano.
O português, falado em África, Europa, América do Sul e Ásia, não é apenas um legado histórico. É um meio vivo de expressão, direito, educação e diplomacia. Embora em contextos pós-coloniais possa carregar uma herança complexa, é também um instrumento através do qual os angolanos pensam, legislam e imaginam o futuro. Para muitos, é simultaneamente uma língua de instrução e uma língua de aspiração.
Enquanto angolano, aprendi o português por necessidade, mas vim a abraçá-lo como uma ponte entre mundos. Não é apenas um meio de comunicação. É um espaço de pensamento, um reservatório de nuances e uma fonte de encontro cultural. Para aqueles de nós que transitamos entre o português e o inglês, este bilinguismo não dilui a nossa identidade. Pelo contrário, enriquece-a.
O episódio envolvendo o Ministro António deve ser compreendido pelo que foi. Não se tratou de um teste de competência. Foi um momento de princípio. Uma lembrança de que, na diplomacia, a língua não é acessória. É essencial. Permitir que alguém fale na sua própria língua não é um privilégio. É um direito. Negar esse direito, ainda que inadvertidamente, é arriscar silenciar não apenas palavras, mas a própria identidade.
Na resistência serena de um ministro que pediu para falar em português reside uma verdade maior. As nações manifestam-se plenamente no palco internacional não apenas quando são vistas, mas quando são ouvidas — na voz, na cadência e na língua que verdadeiramente lhes pertence.
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