Quando os Acordos de Bicesse foram assinados em 1991, eu era ainda uma criança, distante das complexidades políticas que moldavam Angola. Anos depois, mergulhei na história do meu país, ouvindo relatos de quem viveu os acontecimentos e estudando documentos que revelam como a guerra civil e a Guerra Fria determinaram o nosso destino. A verdade é que Angola emergiu como Estado soberano num contexto de profunda divisão ideológica. Em 1975, os Acordos de Alvor reconheceram a FNLA, o MPLA e a UNITA como únicos representantes legítimos do povo angolano, prevendo um governo de transição, eleições e a proclamação da independência. No entanto, o MPLA, com o apoio militar de Cuba e o respaldo da União Soviética, conseguiu expulsar os seus rivais da capital e declarar a independência de forma unilateral, instaurando um regime de partido único sob o modelo marxista-leninista.
A República Popular de Angola (1975-1991) foi marcada por um sistema centralizado, onde o MPLA-PT controlava todas as estruturas do Estado, substituindo os tribunais por conselhos revolucionários e impondo uma economia planificada. Do outro lado, a UNITA, inicialmente apoiada pelos EUA e pela África do Sul durante a Guerra Fria, consolidou-se como movimento de resistência, usando uma retórica que opunha o "povo africano" à "aristocracia mestiça" do MPLA. A sua base na Jamba, no sudeste angolano, tornou-se símbolo da luta contra o regime de Luanda.
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Tudo mudou com o colapso da União Soviética. A queda do Muro de Berlim (1989) e a desintegração do bloco socialista deixaram o MPLA sem o seu principal aliado, forçando-o a adaptar-se. Os Acordos de Nova York (1988) garantiram a retirada das tropas cubanas e sul-africanas, enquanto internamente o regime abandonou o marxismo-leninismo em 1990, adotando a economia de mercado e aceitando o pluralismo político. Foi neste contexto que, em 1991, sob mediação da ONU e uma Troika (EUA, URSS e Portugal), o MPLA e a UNITA assinaram os Acordos de Bicesse, pondo fim formalmente à República Popular e abrindo caminho para um sistema multipartidário.
Mas quem saiu vitorioso? A UNITA conseguiu impor o multipartidarismo e forçar o MPLA a abandonar o monopólio do poder. O MPLA, por sua vez, manteve-se no governo, adaptando-se ao novo contexto como "órfão da Guerra Fria", nas palavras de Margaret Anstee. Portugal, como mediador, ganhou prestígio diplomático. No entanto, a paz foi frágil: as eleições de 1992 levaram ao recomeço da guerra, mostrando que Bicesse foi mais uma trégua do que um fim definitivo do conflito.
Há ainda mitos que precisam ser desconstruídos. O MPLA afirma ter contribuído decisivamente para o fim do apartheid, mas a realidade é mais complexa. Os EUA, sob Reagan, viam o comunismo soviético como uma ameaça maior do que o regime sul-africano, tolerando-o como "mal menor". A pressão real veio das sanções da ONU e do movimento global antiapartheid, não da intervenção angolana. Quando a URSS caiu em 1991, o apartheid tornou-se insustentável, mas atribuir o seu fim ao MPLA é uma simplificação enganosa.
No final, os Acordos de Bicesse representaram uma viragem, mas não garantiram uma democratização real. Angola tornou-se nominalmente uma democracia, mas o MPLA manteve o poder através de um capitalismo oligárquico, como descreve Tony Hodges em "Angola: Do Afroestalinismo ao Capitalismo Selvagem". A UNITA, embora tenha conseguido alguns dos seus objectivos, foi gradualmente neutralizada pelo sistema. Para entender este processo, é essencial ler autores como Pezarat Correia, Christian Messiant e Nelson Domingos, que analisam as contradições desta transição.
A pergunta que fica é: Angola realmente mudou em 1991, ou apenas reciclou o seu autoritarismo sob novas roupagens? A resposta ainda está por ser escrita.
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