O The Fly Podcast, esse distribuidor diligente de confissões desavergonhadas e personagens improváveis, voltou a conquistar a atenção de Angola com a perícia de um traficante experiente. Desta vez, a substância servida em dose generosa não foi uma celebridade caída em desgraça ou um kudurista sem filtro, mas sim uma mulher de meia-idade, antiga dama da noite de Cabinda, cuja voz rouca e desajeitada nos arrasta para uma história que oscila entre a tragicomédia e a pura tristeza social.
A sua entrada na profissão, segundo conta, foi orquestrada por uma tia de moral peculiar. O pai nunca acreditou nas suas versões. A escola ficou por acontecer. O português que fala tropeça como a sua vida: entre silêncios, metáforas rebuscadas e uma gramática improvisada. E, no entanto, do meio daquele discurso vacilante emerge algo mais profundo: o retrato de uma sociedade que, em muitos dos seus interstícios, continua a não saber o que fazer com as suas raparigas pobres, frágeis e esquecidas.
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Escutar essa mulher é, por momentos, como espreitar por uma fenda na fachada moderna de Angola e ver, lá dentro, os restos ainda ativos de uma ordem tradicional onde as jovens mulheres são facilmente descartadas. Há instantes em que a sua voz se suaviza e o tom endurecido dá lugar a uma vulnerabilidade inesperada. E ali percebemos que talvez, mais do que redenção, esta mulher apenas tenha querido, alguma vez na vida, ser amada. Dá vontade de segurar-lhe a mão e dizer: ouvimo-la, vimos-na, e esperamos que, um dia, encontre isso que sempre procurou.
Mas não, esta não é uma história de superação. Apesar de décadas numa profissão que exige adaptação, cálculo e frieza, a senhora de Cabinda parece não ter aprendido grande coisa. Não acumulou poupanças, não investiu num pequeno negócio, não construiu qualquer rede. Não foi sequer estratega na arte da memória, que tantas mulheres da noite transformam em mecanismo de sobrevivência.
Comparações impõem-se. Recorde-se Lindi St. Clair, figura lendária no Reino Unido dos anos 80 e 90, líder do excêntrico Corrective Party. Como a senhora de Cabinda, começou jovem e sem instrução. Mas aproveitou cada cliente como se fosse uma aula particular. Tornou-se eloquente, divertida, uma verdadeira performer da palavra. Contava histórias com inteligência — mas nunca, nunca revelou o nome de um cliente. Sabia que a dignidade do ofício reside no sigilo.
Ou então, Mary O’Brien, a chamada Mayfair Madam, nascida no Quénia, rainha de um discreto império londrino de casas de alterne. Começou por baixo, mas construiu um negócio avaliado em milhões. Viveu como uma espiã da Guerra Fria: discreta, letal, invisível. Só após anos de vigilância é que a Scotland Yard conseguiu incriminá-la. Mesmo assim, jamais cedeu um nome. Em 2018, voltou a ser detida — com a mesma altivez. Discrição, inteligência, estratégia. Tudo o que falta à nossa narradora cabindense.
Em vez disso, oferece-nos episódios de desgraça e superstição. O mais notório envolve um homem de Uíge que transportava dinheiro arrecadado para um funeral em Luanda. Antes de cumprir o triste dever, desviou-se para uns momentos de prazer com a nossa protagonista e uma cúmplice — que lhe levaram a mala. Ele jurou vingança com recurso à feitiçaria. A cúmplice, que ficou com o dinheiro, morreu pouco tempo depois. A narradora diz ter levado apenas o telefone — e, por isso, escapou ao feitiço.
Mesmo nos seus relatos, há ausência de intenção narrativa. Poderia oferecer crítica social, ou sabedoria duramente conquistada. Mas o que nos chega são crendices, mágoas repetidas e lamentos. Fica-se com a sensação de que ela está à procura não de absolvição, mas apenas de alguém que a escute.
E escutamo-la. Porque, em abono da verdade, o The Fly Podcast nunca prometeu inspiração. Promete carne viva, sem verniz nem redenção. E cumpre.
Mas o contraste dói. Outras mulheres, com igual ponto de partida, fizeram da prostituição uma rampa de ascensão — moralmente discutível, sim, mas economicamente eficaz. Elas planearam, calcularam, subiram. A senhora de Cabinda, não. Falhou até em usar o que tinha: memória, redes, astúcia. Talvez lhe tenha faltado educação. Ou coragem. Ou, talvez mais dolorosamente, nunca tenha acreditado que podia ser mais do que foi.
No fim, não ficamos com o escândalo, mas com a tristeza. O The Fly Podcast deu-nos a casca do escândalo, sim. Mas lá dentro? Estava uma mulher que ainda espera, depois de tudo, por um bocadinho de amor.
Oxalá o encontre.
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