Se há um verdadeiro nacionalista, daqueles que deram os primeiros passos visíveis no despertar do nacionalismo angolano, muito antes de 1961, foi o Professor Álvaro Esuvi Lutukuta, sem esquecer figuras como Daniel Eduardo Ekundi, Ngonga Liahuka, Jessé Chipenda, Tavares Jamba, Pedro Paulo Bonga e outros cujos nomes a História registou, mas que os homens insistem em esquecer. Eles deixaram um legado palpável, mas injustamente negligenciado pela Pátria.
Fiquei profundamente impressionado com o que me contou um dos familiares do veterano e revolucionário Professor Lutukuta. Não resisti e, como achei ser do interesse público, aqui partilho um pedacinho da história de um nacionalista que merece ser devidamente lembrado e honrado na festa dos 50 anos da nossa independência. Eis:
Por volta do ano de 1931, Álvaro Lutukuta concluiu os estudos no Instituto Courrier do Dôndi, instituição escolar ligada à Igreja Evangélica que, para além do plano curricular, cultivava um clima fértil que incutia a consciência nacionalista nos jovens. Não foi por acaso que boa parte das individualidades que se bateram pela independência passou pelo Dôndi. A Missão do Dôndi, localizada na Bela Vista, província do Huambo, foi fundada em 1914 por missionários protestantes norte-americanos, enviados pela American Board of Commissioners for Foreign Missions, uma organização missionária congregacional dos Estados Unidos. Esta missão tornou-se uma das mais importantes da Igreja Evangélica Congregacional em Angola (IECA).
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Em 1932, integrou o primeiro grupo de jovens indígenas provenientes do Planalto Central que foram estudar para o Liceu Salvador Correia, em Luanda. Entre os estudantes, figuravam nomes como Daniel Eduardo Ekundi, Jessé Chipenda, Domingos da Silva e Pedro Paulo Bonga. De Luanda eram: Gaspar de Almeida e João Rodrigues; do Quéssua, Francisco Webba.
Durante as horas livres, Lutukuta e seus companheiros envolviam-se nas actividades da Liga Nacional Africana, fundada a 17 de julho de 1930, pelos nacionalistas: Manuel Inácio dos Santos Torres, Gervásio Ferreira Viana, José Cristino Pinto de Almeida e Sebastião José da Costa (pai do cantor e compositor Carlos Lamartine). A iniciativa desse pequeno grupo de intelectuais angolanos da época tinha como objectivo: defender os direitos dos assimilados e dos menos favorecidos, promover a instrução e lutar por melhores condições sociais, económicas e políticas para os angolanos. Esse contacto com a Liga reforçou as ideias do Dôndi e contribuiu para o fortalecimento da consciência revolucionária dos nacionalistas. Mesmo depois de formados e regressados às suas procedências, continuaram como assinantes da revista da Liga Nacional Africana, o Estandarte, recebendo os números nas suas localidades.
Em Junho de 1946, na qualidade de director da escola da Missão Evangélica do Chilume, missão fundada a 26 de Março de 1881, no Bailundo, província do Huambo, participou numa Conferência Ecuménica realizada em Leopoldville (actual Kinshasa), juntamente com o Pastor Gaspar de Almeida (representante de Luanda e, à época, director do jornal Estandarte), o Pastor Jessé Chipenda (representante de Benguela), e os missionários João T. Tucker e Dr. John Rullyng (ligados à Junta Americana das Missões). Este evento foi considerado o primeiro congresso missionário de grande escala na costa ocidental de África, voltado para a valorização da raça africana no seio do cristianismo. Debateram-se temas como a Educação, a formação Teológica, a tradução da Bíblia para Línguas Africanas e o papel das Igrejas na emancipação espiritual dos povos colonizados.
O congresso foi descrito como um momento de esperança e de afirmação da dignidade africana, mesmo perante as calamidades do colonialismo. Este encontro teve impacto no fortalecimento da mentalidade nacionalista e no despertar de líderes comprometidos com a luta pelas independências dos países africanos. Outro impacto notável foi a formação de quadros africanos e a consolidação de redes missionárias que viriam a exercer influência em Angola e noutros países africanos. Como fruto desta conferência, foram também criados diversos lares, como o Lar Académico da então Nova Lisboa, actual Huambo. Este foi criado com o apoio das missões protestantes evangélicas, sobretudo da Missão Evangélica do Chilume (Bailundo) e tinha como objectivo principal oferecer alojamento a estudantes de origem humilde, muitos deles provenientes de zonas rurais ou de missões protestantes. Os contemplados eram seleccionados com base no mérito académico e no comportamento moral.
Quanto aos intervenientes na conferência, o nacionalista Álvaro Lutukuta apresentou uma intervenção marcante sobre a Educação, defendendo a instrução como meio de libertação do homem. Por sua vez, o reverendo Gaspar de Almeida dissertou sobre os Desafios da Paz em África. Particularmente, confesso que fiquei impressionado com a elevação moral, intelectual e visionária destes nacionalistas.
Como resultado directo da Conferência, surgiram as primeiras bolsas de estudo para o exterior, patrocinadas por missionários norte-americanos e canadianos. Álvaro Lutukuta teve direito à primeira bolsa, mas declinou-a, argumentando que seria mais útil se continuasse a formar internamente os jovens e a despertá-los. A partir de 1948, beneficiaram das referidas bolsas de estudo vários jovens angolanos, entre os quais se destacam: António Agostinho Neto, Emílio de Carvalho, Belo Chipenda, Jerónimo Wanga, José João Liahuka, Sílvio de Almeida, Ruth Neto, Maria Caetano Bonga, Jonas Malheiro Savimbi, Victor Afonso, Jorge Valentim, Daniel Chipenda, Limbindo e Deolinda Rodrigues.
Em 1962, na altura com cerca de 30 anos como Director da escola missionária do Chilume, foi detido pelas autoridades coloniais da então Vila Teixeira Lopes (actual Bailundo) e enviado para a temida cadeia do Missombo, no Cuando-Cubango. Foi um dos primeiros presos políticos encarcerados naquela prisão recém-criada. Foi-lhe atribuída a pena mais longa entre todos os detidos. Mas nem a prisão o desanimou. Dizia: "O sofrimento, se for por uma causa justa, não se sente tanto". Por isso, nos tempos livres, promovia a alfabetização dos presos iletrados e, aos domingos, meditavam sobre a Palavra de Deus. Na altura, estavam também presos Pedro Van-Dúnem, Imperial Santana, Adriano Sebastião, Pinto Sotto Mayor, Manuel Pedro Pacavira, entre outros.
Infelizmente, acabou por falecer na cadeia no dia 25 de Maio de 1963, precisamente na data da fundação da Organização da Unidade Africana (OUA). Um triste e simbólico destino para alguém que tanto lutou pela dignidade e emancipação do seu povo. A notícia do óbito abalou muita gente. Ele era um pai para muitos. Albergava em sua casa vários jovens estudantes vindos de aldeias e sem um tecto para viver. Se os demais mortos eram levados para a vala comum, o Professor Lutukuta, por aquilo que representava, foi sepultado no cemitério municipal de Menongue. Actualmente, os seus restos mortais repousam no cemitério da Missão do Chilume.
Trago esta história como contributo para a identificação dos nossos heróis anónimos, homens que, aos poucos, começamos a conhecer pelas suas trajectórias heróicas. Ao comemorarmos os 50 anos de independência, resta-nos honrá-los e homenageá-los de forma condigna. É o mínimo que podemos fazer por tudo quanto fizeram para que alcançássemos a nossa autodeterminação.
Os factos históricos são teimosos. Não se apagam. Permanecem à disposição de quem os quiser conhecer e valorizar.
Voltarei...
Luanda, 25 de Julho de 2025.
Gerson Prata
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