Ruido não é Pensamento- Sousa Jamba



Gosto de debates; gosto da troca rigorosa de ideias. Por isso, fui ver o que se anunciava como confronto máximo: de um lado, Naice Zulu, apresentado como ateu; do outro, o pastor BM Samuel, figura controversa. A desilusão foi imediata. Zulu afirmou, logo de início, que não era ateu: acreditava nas religiões tradicionais africanas. 


Isso muda tudo. Um ateu não admite qualquer divindade, não reconhece um princípio criador, não concede uma vontade última. Quem professa uma religião tradicional, pelo contrário, afirma uma origem. Há um impulso primeiro, uma força, um ser que nos fez.

O que se seguiu prendeu atenções. Tornou-se um duelo. BM Samuel, no seu registo habitual, ergueu versículos como estandartes, falou com fervor teatral, encenou ameaças na voz e no gesto. Naice Zulu, por sua vez, tentou descredibilizar o cristianismo, citando por vezes a própria Bíblia para esse fim. O pastor ripostou com lógica simples: se não acreditas, por que citas as nossas Escrituras. A tensão subiu. Por momentos roçou o confronto físico. É espetáculo vistoso. Viral, claro. Intelectualmente, porém, é fraude. Não fecha. Não acrescenta. Entristece-me.


Fisioterapia ao domicílio com a doctora Odeth, liga agora e faça o seu agendamento, 923593879 ou 923328762


Esperava perguntas sérias. Esperava inquérito rigoroso. O que veio foi um borrão: comédia barata, vulgaridade rasa, trocas de bocas, vinho e bravata. Nada de método. Nada de leitura. Nada de prova. E é aqui que entra a responsabilidade pública. Os mais novos precisam de ver e ouvir gente que sabe do que fala, que estudou, que confronta as próprias teses com a crítica. Caso contrário, os glorificados de ocasião tomarão o palco e, com ar de autoridade, dirão apenas o pouco que julgam saber.


Faltou o contraditório ateu com substância. Penso nos debates de Christopher Hitchens nos Estados Unidos. A matriz era clara: alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias; a existência de Deus é uma proposição sem demonstração e, por isso, não merece assentimento; o ateísmo é ausência de crença, não uma fé paralela. A moralidade humana antecede credos e não tem dono. A religião, dizia ele, deturpa origens, estimula o desejo em vez do inquérito racional, e tantas vezes se alia à violência, ao sectarismo, ao racismo, à misoginia, à coerção de crianças. Os textos sagrados exibem contradições e dilemas morais. Quando a religião afirma que a virtude requer crer em Deus, diminui a nossa capacidade de raciocínio ético. A alternativa proposta era o humanismo secular: sentido, comunidade e vida ética sem tutela religiosa. Era este o nível de argumentação que se impunha.


Também faltou, do outro lado, a defesa informada da religião. Poder-se-ia ter começado pelo limite do nosso conhecimento: não sabermos ainda como tudo começou não invalida a hipótese de um Criador. A ignorância das causas primeiras não prova a inexistência do primeiro princípio. Depois, o legado: a religião inspirou caridade, aboliu correntes, animou direitos civis e protestos não violentos. Lideranças como Martin Luther King Jr. mostram que a fé mobiliza justiça. Em África, muitos movimentos anticoloniais tiveram ao lado figuras religiosas. Desde o século XIX, para além dos seus pecados, o cristianismo também trouxe impulsos redentores, ajudou a combater formas locais de servidão e alimentou a crítica ao colonialismo.

Haveria ainda uma leitura histórica do próprio cristianismo: Jesus, apresentado como defesa do oprimido, enfrentou poderes políticos e religiosos; o Êxodo narra uma fuga à tirania; sob Roma, a crucificação tornou-se símbolo do vencido que ressignifica a derrota. Para milhões, isto funda a ética do cuidado do último. A religião não é, por definição, inimiga da razão. A tradição católica preservou bibliotecas, cultivou universidades, promoveu debate filosófico. Tomás de Aquino e muitos outros articularam argumentos cosmológicos, ontológicos e morais; podem convencer ou não, mas são trabalho sério. 


Confundir fundamentalismo com prática moderada é erro de método. E reduzir a violência a culpa da religião ignora motores políticos, económicos e psicológicos. O século XX conheceu ideologias seculares homicidas. A questão das origens últimas permanece aberta; para muitos, crer numa realidade transcendente é racional.

Defender a religião não é branquear dogmas. É reconhecer uma história dinâmica, com sombras e reformas, com capacidade contínua de inspirar bem comum e formar consciências. A partir daí, sim, mergulhar na Escritura, argumentar com texto e contexto, mostrar por que um crente pode falar de um Deus absoluto, justo e misericordioso.


Peçamos seriedade. Tragam-se filósofos, cientistas e teólogos treinados, em debate limpo, com método, fontes e rigor. Isso serve o público. Isso melhora a sociedade. O resto é ruído. E ruído não é pensamento.


Siga o canal do Lil Pasta News clicando no link https://whatsapp.com/channel/0029Vb4GvM05Ui2fpGtmhm0a


Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação 

Postar um comentário

0 Comentários