Lições da UNITA de 1966- Sousa Jamba

 


Em Angola, o brado recorrente dos partidos recém-chegados é claro e cortante: os veteranos exibem soberba; olham de cima; tratam a UNITA, principal força da oposição, como quem desdenha os pequenos e os quer fora do quadro.


Conheci a Navita Ngolo quando ainda era estudante; apareceu, em Junho de 2003, no acto que assinalou a ascensão de Isaías Samakuva à presidência da UNITA em Luanda; recordo uma jovem intensa, pasta de Economia ao ombro, a sustentar conversas com homens e mulheres muito mais velhos, sem perder o fio nem a firmeza.


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Lembro o Sapiñala miúdo em Jamba, entregue ao Alvorada, o sector pré-juvenil do movimento, a aprender cedo a disciplina dos dias.

Digo isto para sublinhar que andam nisto há muito tempo.


Ainda há dias revi um excerto das  Lunda’s  com a própria Navita, muito jovem, num empurra-empurra com a polícia; o rosto fechado, o sobrolho vincado, como o de uma jogadora fijiana de rúgbi, avançando sem hesitação.


Acresce que os partidos novos teriam muito a aprender com o gesto inaugural da UNITA em 1966, quando entrou na cena como terceira força e decidiu fincar raízes no interior; ali definiu a sua proposta distintiva, separou-se do coro, executou ações e soube amplificá-las, tarefa que exige propagandistas talentosos, disciplinados e inventivos.


Enquanto o Dr Jonas Malheiro Savimbi e os seus se moviam no Leste de Angola, em Londres operava Jorge Ornelas Sangumba, Secretário para os Negócios Estrangeiros; urbano, de fato impecável e, por vezes, calças de boca de sino ao gosto do tempo; charuto entre os dedos; paixão pelo futebol; charme fácil; uma capacidade de trabalho que parecia inesgotável; incansável em fazer ouvir a história da UNITA.

Apesar dos laços com Pequim, que emprestavam à UNITA uma face marxizante, Sangumba irradiava cosmopolitismo; o estilo era moderno, a mensagem era rigorosa; a combinação criava um arco de credibilidade que prendia parlamentares, jornalistas e círculos académicos.


Em 1971, o jornalista austríaco Fritz Sitte publicou no Tages-Anzeiger um retrato com título memorável, “Com os Chineses Negros em Angola”; caminhou semanas até às chamadas áreas libertadas, descreveu um posto fronteiriço vigilante que emitia “passaportes” da UNITA e uma sede no mato arrumada em cabanas de capim, com os acantonamentos militares rigorosamente separados.


O texto apresenta Savimbi como líder carismático, com passagem pela Suíça; explica que o epíteto “Chineses Negros” nascia de semelhanças de estilo com a revolução de Mao, não de adesão dogmática; cita Savimbi a recusar a linha comunista, a defender um socialismo de esquerda radical e a independência total, aceitando apoios externos apenas sem contrapartidas políticas ou comerciais, com Pequim e o Conselho Mundial de Igrejas apontados como apoiantes.

A UNITA afirmava formar os seus combatentes sem conselheiros estrangeiros; uma milícia aldeã, grafada no texto como “Cupocolu”, protegia civis, mantinha redes de aviso e colaborava na recolha de informações; internamente, o movimento erguia escolas, guardava víveres em palhotas sobre estacas, padecia de escassez de material médico e vivia do milho.


O repórter dá conta de bombardeamentos portugueses com napalm; a resposta era mobilidade, emboscada,  e uma decisão estratégica: evitar sabotagens ao Caminho-de-Ferro de Benguela, por entender que tal danificaria a Zâmbia e o Zaire, dependentes da via de Lobito para o escoamento do cobre.


Em suma, a peça fixou a imagem de uma insurgência disciplinada, auto-organizada, com estética revolucionária de filiação chinesa, ambição nacionalista e pragmatismo lúcido quanto à assistência externa e às infraestruturas vitais da região.


Em Lusaka, Fritz Sitte, que descera ao mato com Savimbi, deu uma conferência de imprensa, noticiada pelo Times of Zambia em 7 de Agosto de 1971; numa capital onde tantos líderes conduziam do exílio as guerras de libertação, as suas palavras ecoaram a linha de Dr Jonas Malheiro Savimbi, que aprendera a admirar naquele mês passado no Leste. Foi um feito de propaganda e de relações públicas, meticuloso e eficaz. Mal sabiam, então, que, quatro anos depois, haveria o golpe em Lisboa. 


Para ser eficaz na política, é preciso dominar a arte de comunicar; mas a comunicação só tem efeito quando integrada numa estratégia. Uma das falhas dos partidos novos em Angola é a ausência clamorosa de uma estratégia orgânica e abrangente; alguns dos seus quadros jovens parecem mais empenhados em deixar marca pessoal; daí a absurda fixação nas figuras jovens da UNITA; do que em fazer avançar o interesse coletivo do próprio partido. 



Comunicar deve vir depois de pensar; é aí que entram o trabalho miúdo, a paciência de método e a cultura organizacional. Se a cultura dominante no partido se assemelha à de uma congregação carismática, com uma figura religiosa, tida por omnisciente, no topo, tudo se torna difícil; demasiado passa a depender dos seus humores. O facto de a UNITA ter articulado, desde cedo, uma equipa sólida no interior e outra no exterior, dedicada à diplomacia e à propaganda, pode ter jogado a seu favor.


Daqui nascem lições úteis para quem hoje reclama espaço: escolher um território duro e ali criar identidade; encontrar uma proposta única e repeti-la até se tornar memória; fazer, comunicar, voltar a fazer; cultivar quadros com disciplina de estudo; construir uma narrativa coerente que case o estilo com a substância; perceber que as grandes obras públicas do continente não são palco para gestos de vaidade, mas artérias de sobrevivência partilhada.


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