A PAZ NO CONGO NÃO RESULTA DE UM PAPEL- RUI VERDE


 O acordo assinado há dois dias em Washington para instaurar a paz no leste da República Democrática do Congo não passa de uma manifestação de intenções, realizada, sobretudo, para reforçar a imagem de Donald Trump como o grande homem da paz no mundo. O problema é que a paz não se consegue com palavras amáveis, mas sim com mecanismos efectivos para a garantir.


Ainda a tinta das assinaturas do Acordo de Washington sobre a paz no leste da República Democrática do Congo (RDC) não estava seca e as notícias já davam contam de que, no terreno, os combates violentos continuavam, com os lados beligerantes a culparem-se mutuamente. O grupo rebelde AFC/M23, apoiado pelo Ruanda, que tomou as duas maiores cidades do leste do Congo no início deste ano e não está vinculado ao Acordo de Washington, afirmou que as forças leais ao governo estavam a realizar ataques generalizados. Em contrapartida, um porta-voz do exército congolês afirmou que os confrontos continuavam e que as forças ruandesas estavam a bombardear posições congolesas.


A realidade é que o acordo não passa de uma manifestação de intenções, realizada, sobretudo, por razões de marketing político, para reforçar a imagem de Donald Trump como o grande homem da paz no mundo. O problema é que, como sempre – desde as conversas de paz em 1938, com Neville Chamberlain, primeiro-ministro britânico a entregar a Checoslováquia aos nazis para garantir a paz, como Trump parece querer fazer com a Ucrânia em relação à Rússia —, a paz não se consegue com palavras amáveis, mas sim com mecanismos efectivos para a garantir.


Por entre os vários pronunciamentos resultantes do acordo de paz, destaca-se um que pode ser realmente estruturante, embora implique que a RDC pura e simplesmente abdique da sua soberania económica. Trata-se do modelo para a integração económica regional entre a RDC e o Ruanda.


A história europeia do pós-guerra oferece uma lição fundamental sobre este tema. Depois de 1945 (Segunda Guerra Mundial), a França e a Alemanha, inimigos históricos, encontraram na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) um mecanismo de reconciliação. Sob inspiração americana, a integração económica tornou-se o alicerce da paz duradoura. O carvão e o aço, matérias-primas essenciais para a guerra, foram colocados sob uma autoridade comum, impedindo que qualquer país pudesse rearmar-se sem controlo mútuo. Este modelo não apenas pacificou a Europa ocidental, como lançou as bases da futura União Europeia.


No leste da RDC, a situação é comparável. A região é rica em recursos minerais estratégicos, como coltan, ouro e cassiterite, que alimentam tanto a economia global como os conflitos locais. O Ruanda, vizinho imediato, tem sido acusado de beneficiar da exploração ilegal desses recursos, alimentando tensões permanentes. 


A proposta, recentemente anunciada em Washington, de criar um Regional Economic Integration Framework entre a RDC e o Ruanda, procura inverter esta lógica. Em vez de encarar os recursos como motivo de guerra, pretende-se transformá-los em motor de cooperação.


O papel dos Estados Unidos, se o souberem desempenhar devidamente, pode ser central nesta equação. Tal como no caso europeu, Washington pode assumir novamente o papel de arquitecto da paz através da economia. O modelo lançado em Washington procura criar mecanismos de comércio, investimento e infra-estruturas comuns entre a RDC e o Ruanda. A ideia é que, ao partilhar interesses económicos, os dois países reduzam os incentivos para o conflito. 


No entanto, a execução prática enfrenta obstáculos enormes: desconfiança mútua, presença de grupos armados, corrupção e fragilidade institucional.


A paz duradoura no leste da RDC só será possível se a integração económica for acompanhada de medidas concretas, como o desenvolvimento de infra-estruturas transfronteiriças que facilitem o comércio legal e reduzam o contrabando, a criação de mecanismos de partilha de receitas minerais que assegurem benefícios transparentes tanto para a RDC como para o Ruanda, o reforço de instituições regionais capazes de monitorizar e arbitrar disputas (à semelhança da Alta Autoridade da CECA) e a participação activa das comunidades locais, garantindo que a paz não seja apenas um projecto das elites, mas uma realidade vivida no quotidiano.


Sem estas condições, o risco é que os acordos se tornem meros instrumentos de legitimação internacional de saque do Ruanda (e de empresas dos Estados Unidos?), enquanto a guerra continua a devastar aldeias e cidades. 


O exemplo europeu mostra que a paz não nasce apenas da diplomacia, mas da criação de interdependências económicas que tornem a guerra irracional.


O desafio para os Estados Unidos é transformar a sua influência diplomática em apoio concreto ao desenvolvimento económico regional. Isso implica investimentos em infra-estruturas, apoio técnico e pressão política para que tanto Kigali como Kinshasa cumpram os compromissos assumidos. Caso contrário, a iniciativa poderá ser vista como mais um exercício de relações públicas, incapaz de alterar a realidade no terreno.


Em suma, a paz no Leste da RDC depende de uma visão estratégica que vá além dos acordos formais. 


Tal como a CECA pacificou a Europa, uma integração económica genuína entre a RDC e o Ruanda pode transformar inimigos em parceiros. Mas, para isso, é necessário que os compromissos se traduzam em acções concretas e que os Estados Unidos assumam um papel de garante não apenas político, mas também económico. Que não sejam apenas palco para fotografias mais ou menos sorridentes. Só assim será possível que o sangue derramado dê lugar a prosperidade partilhada.

Maka Angola 

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