O caso do General Higino Carneiro: A verdade que se impõe sobre a despolitização do processo- Joaquim Jaime

 

 


Num contexto em que processos judiciais tendem a ser interpretados sob lentes políticas ou emocionais, o respeito pela verdade documental e pelo quadro legal vigente torna-se essencial para a qualidade do debate público. A recente divulgação de uma certidão da Procuradoria-Geral da República (PGR) permite repor factos relevantes à luz do Direito Processual Penal Angolano.

 


 

O presente artigo analisa, à luz do Direito Processual Penal Angolano e da Constituição da República de Angola, a autonomia do Ministério Público e o princípio da separação de poderes na condução da acção penal. Com base na certidão oficial da Procuradoria-Geral da República, esclarece-se a ausência de legitimidade processual do Governador da Província do Zaire num processo-crime em curso, bem como a falta de interferência política do Presidente da República nas motivações do queixoso ou na tramitação processual, contribuindo para a despolitização do debate jurídico.

 

O processo penal constitui um instrumento essencial de realização da justiça e de protecção da legalidade democrática. A sua correcta compreensão exige uma análise técnica, assente na Constituição e na lei, sobretudo quando surgem leituras públicas que procuram atribuir motivações políticas à actuação dos órgãos de justiça.

 

No ordenamento jurídico angolano, a legitimidade processual em matéria penal é regulada de forma estrita pelo Código do Processo Penal (CPP). Apenas o denunciante, o queixoso ou o assistente, nos casos legalmente previstos, podem assumir uma posição processual activa.

 

Nos termos do artigo 51.º do CPP, a qualidade de queixoso depende de manifestação expressa de vontade, sendo juridicamente impossível presumir essa qualidade sem declaração formal. A certidão emitida pela Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da PGR, datada de 10 de Dezembro de 2025, confirma que o Governador da Província do Zaire, Dr. Adriano Mendes de Carvalho, não possui qualquer dessas qualidades processuais no processo n.º 48/2020.

 

A doutrina angolana tem sido clara ao afirmar que a ausência de legitimidade processual impede qualquer imputação de responsabilidade subjectiva a terceiros no impulso da acção penal.

 

O princípio da legalidade da acção penal, consagrado nos termos das disposições combinadas dos artigos 186.º e 189.º ambos da Constituição da República de Angola (CRA), atribui exclusivamente ao Ministério Público a competência para promover a acção penal, em representação do Estado.

 

Os artigos 48.º e 49.º do CPP reforçam esta norma constitucional, afastando qualquer dependência da acção penal relativamente a vontades políticas ou administrativas. A jurisprudência do Tribunal Supremo tem reiteradamente afirmado que a actuação do Ministério Público deve fundar-se apenas na lei e nos indícios recolhidos, sob pena de nulidade processual.

 

Acresce que o processo em análise teve início no ano de 2020, o que afasta leituras de instrumentalização política recente e confirma a sua tramitação regular no tempo.

 

A CRA, no seu artigo 2.º, consagra o princípio da separação e interdependência de poderes, enquanto o artigo 185.º garante a autonomia funcional e hierárquica do Ministério Público.

 

A doutrina constitucional angolana sublinha que esta autonomia impede qualquer interferência do Presidente da República ou de outros titulares de cargos políticos na condução de processos-crime. Neste sentido, é juridicamente infundada qualquer alegação de que o Presidente da República, General João Lourenço, possa influenciar motivações particulares de um queixoso ou orientar a actuação do Ministério Público.

 

A politização do processo penal representa um risco sério para a confiança pública na justiça. A doutrina penal alerta que a confusão entre responsabilidade política e responsabilidade criminal compromete a segurança jurídica e a credibilidade das instituições.

 

No caso em concreto, a análise jurídica demonstra que:

 

1. Governador do Zaire não é parte no processo, o que demonstra não ter tido qualquer interferência ou motivação para interferir;

2. O processo teve origem anterior a leituras políticas actuais;

3. O Presidente da República não interfere na acção penal nem nas motivações individuais do queixoso.

 

À luz da Constituição, do Código do Processo Penal e da doutrina angolana, conclui-se que o processo em análise decorre no quadro normal da legalidade democrática. A autonomia do Ministério Público e a separação de poderes constituem garantias estruturantes do sistema de justiça angolano, devendo prevalecer sobre interpretações politizadas ou extrajurídicas.

 

De acordo com o documento emitido pela Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal, facilmente se pode concluir que, o Governador da Província do Zaire, Dr. Adriano Mendes de Carvalho, não é denunciante nem queixoso no processo-crime registado sob o n.º 48/2020, que envolve o General Higino Carneiro. Esta informação é juridicamente relevante, uma vez que, nos termos do Código do Processo Penal Angolano (CPP), apenas o denunciante, o queixoso ou o assistente podem assumir uma posição activa no impulso do processo, nos casos legalmente previstos.

 

É igualmente fundamental esclarecer que o Presidente do MPLA e da República, General João Lourenço, não exerce qualquer influência nas motivações particulares do queixoso, nem interfere na instauração ou condução de processos-crime. A CRA consagra o princípio da separação de poderes, o que garante a autonomia do Ministério Público, afastando qualquer subordinação hierárquica ao poder político no exercício da acção penal.

 

A tentativa de associar processos judiciais a orientações do Chefe de Estado ou de outros titulares de cargos políticos ignora os fundamentos do Estado Democrático de Direito.Ademais, defender a verdade e o rigor jurídico é, neste contexto, um contributo essencial para a credibilidade das instituições e para a serenidade da vida pública, por isso, areafirmação destes princípios é indispensável para a consolidação do Estado Democrático de Direito em Angola.


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