Guerrilha da UNITA: O Único Sobrevivente - Gerson Prata



Naquele tempo, antes da assinatura da paz de 1991, as histórias de sobrevivência eram vistas por nós, miúdos na altura, como milagres. Milagres porque não conseguíamos imaginar que alguém se pudesse safar do meio de uma emboscada bem montada, com metralhadoras a cobrir os flancos, e um campo de minas na rota de fuga! Também não nos passava pela cabeça que fosse possível encontrar gente a respirar entre os escombros de um bunker atingido por uma bomba de Mig! Como esperar por sobreviventes em um Land-Rover despedaçado por projéteis de um Tanque de Guerra?! A verdade é que tudo isso aconteceu – quer do lado das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola – FAPLA – quanto do das Forças Armadas de Libertação de Angola –FALA.


O certo é que as histórias de sobrevivência repetiam-se com alguma frequência, principalmente, durante as ofensivas lançadas pelas FAPLA, que procuravam, a todo o custo, tomar de assalto o Bastião dos guerrilheiros de Jonas Savimbi. Isso fazia com que a Província do Cuando Cubango, apelidada de Kapa-Kapa pelos combatentes das FAPLA, se tornasse o centro das operações e das preocupações. O controlo de zonas estratégicas era fundamental para os beligerantes, uma vez que o Kapa-Kapa representava o ponto de chegada para as FAPLA, e o de partida para as FALA. (Menongue, ponto de partida; Luanda, ponto de chegada!).


Fisioterapia ao domicílio com a doctora Odeth Muenho, liga agora e faça o seu agendamento, 923593879 ou 923328762


Sem qualquer intenção de menosprezar as demais regiões militares, por onde a actividade de guerrilha era bastante activa, parecia-nos que a guerra de "alta-intensidade" ocorria nas matas das terras do fim-do-mundo. Por isso, fazia sentido o que os militares diziam: quem combateu no Kapa-kapa era um soldado a respeitar. Tanto mais que as melhores unidades de ambos os lados manobravam naquela região. Muito sangue foi derramado. Por essa e outras razões, torna-se imperioso que aqueles que estiveram envolvidos de carne e osso na luta tivessem a obrigação moral e patriótica de narrar com verdade as peripécias pelas quais passaram, mas sem necessidade de diminuir ou denegrir seja ele quem fosse. O único objectivo seria, tão-somente, o de contar os factos vividos durante o período menos bom que o nosso belo país atravessou – irmãos lutando contra irmãos – para que a nova e as futuras gerações tenham noção do que realmente aconteceu...

É nesse quadro que trago um episódio que me foi contado por um dos sobreviventes do Kapa-Kapa, o Brigadeiro Osório Pedro Kavita, militar das extintas FALA, na época, Chefe das Operações da CMDA (Companhia Motorizada de Desembarque e Assalto):

... Numa manhã de Setembro de 1988, pelas 10 horas, o então Tenente-Coronel Osório recebe a orientação para se movimentar ao encontro dos Generais Demóstenes Amós Chilingutila e Arlindo Chenda Pena (Ben-Ben), que se encontravam nas áreas da Lagoa do Tchapwa. A missão tinha a finalidade de, com a sua unidade da CMDA, composta pelos famosos Land-Rover 70 (Wale-wale) – equipados com Canhões Anti-tanques (Ondala) – apoiar as tropas no terreno, nomeadamente: o Batalhão 118, do Comandante Rhino Kassesse; o 5.º Regular, do Cdte Álvaro Mussili e Três Pelotões de Comandos mobilizados para acções de desgaste à 8.ª Brigada das FAPLA, que marchava ao longo da margem esquerda do rio Kuzúmbia, em direção à nascente do Lomba, com o intuito de abastecer o Regimento encurralado naquela localidade. Infelizmente, nesse dia, a equipa de reconhecimento das FALA, os “reques”, não constatou in-loco a realidade no terreno. Vendo o movimento dos homens e da técnica, os reques acharam que a zona estivesse livre, e deram aval à CMDA para avançar. Pura ilusão! Afinal, havia dois Batalhões que se movimentavam em cascata: retirava-se um, assim que chegasse a um determinado ponto, o outro seguia os mesmos passos. Essa táctica de articulação das unidades, aplicada pelo comandante das FAPLA, considerado por mim como um grande estratega militar, enganou redondamente os reques do destemido Brigadeiro Kalipi. – Quando o reconhecimento falha, os danos são enormes. Fiquei arrepiado ao imaginar o que daí viria: caíram na emboscada; o Wale-wale que transportava o Cdte Osório foi atingido em cheio por um projétil de BMP-1. No local, tombava heroicamente o jovem militar Matos Mweliusengue – aluno brilhante do Instituto Loth Malheiro Savimbi. A notícia da sua morte abalou a comunidade estudantil. Lembro-me de que um importante grupo de estudantes do Liceu Nacional da Jamba havia se deslocado à “Oficengue” – do Tenente Coronel Fonseca – para visitar o óbito. Outra vítima mortal foi o motorista. Apenas sobreviveu o Cdte Osório, que ficou gravemente ferido, e transportado às pressas para a África do Sul, onde recebeu tratamento médico.

Dois anos depois, já recuperado dos ferimentos, o então T/C Osório, o único sobrevivente do Wale-wale despedaçado pelo fogo do BMP-1, voltava, com a mesma determinação, e a bordo de um Wale-Wale novo-em-folha, a entrar em acção no teatro operacional do Kapa-kapa e, mais uma vez ...

*continua no Livro a ser publicado…

Luanda, 09 de Setembro de 2023
Gerson Prata


Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação 

Postar um comentário

0 Comentários