OS ACTOS E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS

 


Num gesto inédito, o Procurador-Geral da República, Fernando Pitta-Groz admitiu, esta semana, falhas nos procedimentos que a julgamento o chamado “caso 500 milhões”.

Em 2019, a Procuradoria-Geral da República imputou a Valter Filipe, antigo governador do Banco Nacional de Angola, José Filomeno dos Santos, antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, Jorge Pontes Gaudens, empresário, e António Samalia Bule, antigo director do Departamento de Reservas do BNA, uma conspiração para desviar dinheiro público. 


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Em concreto, a PGR atribuiu ao quarteto crimes de peculato, burla por defraudação e tráfico de influência.

No dia 14 de Agosto de 2020, o Tribunal Supremo condenou os quatro arguidos a várias penas de prisão.

Um triunvirato de juízes conselheiros do Tribunal Supremo, constituído por João da Cruz Pitra, relator, José Martinho Nunes e João Pedro Kinkani Fuantoni, deu como provadas as acusações do Ministério Público e condenou Valter Filipe a oito anos de prisão efectiva, José Filomeno dos Santos a cinco anos, António Samalia Bule também a cinco anos, e Jorge Gaudens Sebastião a pena de seis anos.

Inconformados, os réus recorreram das sentenças junto do Plenário do Tribunal Supremo. Em decisão tomada no dia 29 de Outubro de 2021, os Juízes do Tribunal Pleno e de Recurso acordaram em confirmar a decisão recorrida. 

A decisão foi tomada pelos juízes conselheiros Miguel Correia (Relator), Joel Leonardo, Manuel António Dias da Silva e Teresa Marçal.

Os juízes conselheiros Joaquina do Nascimento, Anabela Vidinhas e Norberto Capeça votaram contra.

Novamente inconformados, os arguidos interpuseram no competente tribunal um recurso extraordinário de inconstitucionalidade alegando, de entre outras razões, que a decisão do Tribunal Supremo feriu de morte inúmeros preceitos legais. 

No dia 3 de Abril passado e através do Acórdão n.º 883/2024, o Tribunal Constitucional declarou “a inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, por “violação dos princípios da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme e do direito à defesa”.

O Acórdão do Tribunal Constitucional devolve o processo recorrido ao Tribunal Supremo “para que sejam expurgadas as inconstitucionalidades verificadas, ao que se seguirão os trâmites subsequentes que se mostrarem cabíveis nos termos do n. º2 do artigo 47.º da LPC”.

Na sua primeira reacção à decisão do Tribunal Constitucional, na quarta-feira, 17, embora tenha admitido falhas nos procedimentos, o Procurador-Geral da República não assumiu qualquer responsabilidade e muito menos se comprometeu a reparar os danos que a actuação do Ministério Público causou aos quatro arguidos.

Fernando Pitta-Gróz reconhece que o processo instruído pelo Ministério Público e o julgamento do Tribunal Supremo não observaram os princípios constitucionais, mas diz que essas falhas não esmorecem o combate à corrupção.

“Pelo contrário, vai fortalecer a nossa forma de agir e fazer com que fiquemos mais atentos a determinados procedimentos”.

O Acórdão do Tribunal Constitucional que constatou “violação dos princípios da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme e do direito à defesa” no processo dos 500 milhões mostra que os juízes não têm de andar a reboque do Ministério Público.

“Com essa decisão, o Tribunal Constitucional transmitiu uma mensagem de esperança aos angolanos. Ela mostra que ainda há redutos de que os angolanos podem esperar justiça”, comentou ao Correio Angolense um dos juristas envolvidos na defesa dos quatro arguidos.

Além de aconselhar “os magistrados a terem mais cuidado e atenção nos próximos processos”, Fernando Pitta-Gróz, que preside também o Ministério Público deveria “imolar-se” a si próprio ou afastar os colaboradores que pontapearam, deliberadamente, princípios constitucionais.

Em Portugal, país que Pitta-Gróz visita a uma frequência quase quinzenal, o Partido Socialista exige ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a demissão da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago.

No dia 7 de Novembro passado, António Costa, então primeiro-ministro, demitiu-se após o Ministério Público anunciar que era alvo de uma investigação.

“É meu entendimento que a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, boa conduta, e menos ainda com a suspeita de prática de qualquer acto criminal. Obviamente apresentei a minha demissão a sua Excelência o Senhor Presidente da República”, disse à imprensa.

A demissão do primeiro-ministro levou à queda do Governo maioritário do PS, dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas. Realizadas no dia 10 de Março, as eleições deram uma apertadíssima vitória à AD, uma coligação formada pelo PSD, CDS e PPM.

Na quarta-feira, 17, o Tribunal de Relação de Lisboa deu provimento ao recurso dos arguidos envolvidos no chamado caso “Influencer”, que provocou a demissão de António Costa, e a detenção do seu director de gabinete e de um amigo de longa data.

No Acórdão, a Relação de Lisboa diz que “não há qualquer indício” de envolvimento de António Costa e de outros arguidos em práticas ilícitas

O colectivo de juízes do Tribunal de Relação de Lisboa considera que “não houve qualquer crime de prevaricação praticado pelos arguidos da Operação Influencer”.

Ainda de acordo com o acórdão da Relação, o “plano criminoso” defendido pelo MP não passaria de “um conjunto de meras proclamações assentes em deduções e especulações retiradas do que o MP ouviu arguidos e membros de governo falar ao telefone, proferindo afirmações vagas, genéricas e conclusivas”.

Conhecida a decisão do Tribunal de Relação de Lisboa, dirigentes do Partido Socialista exigem a imediata demissão da Procuradora-Geral da República.

António Vitorino, um dos mais proeminentes dirigentes dos socialistas, afirmou ter visto a decisão do tribunal “com alguma perplexidade”, e considera que seria do interesse público que se clarificasse “o mais rapidamente possível” a substância do caso que levou à queda do Governo.

Ferro Rodrigues, antigo presidente da Assembleia da República diz que a Procuradora-Geral da República deveria “ser ajudada a sair” e que, se tal não acontecer antes do termo do seu mandato (em outubro), o Presidente da República “será corresponsável”.

Em países democráticos de direito, actos ilegais ou irresponsáveis, mesmo quando praticados por agentes do Estado provocam consequências.

Em Portugal, Lucília Gago deixará o cargo pelo próprio pé ou empurrada pelo Presidente da República.

O Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o caso dos 500 milhões não deveria ter como única consequência o reconhecimento de que não foram observados princípios constitucionais ou a recomendação a magistrados a “terem mais cuidado e atenção nos próximos processos”.

O Acórdão n.º 883/2024 pode ter aberto as portas para uma “enxurrada” de recursos extraordinários de inconstitucionalidade.


Graça Campos/Correio Angolense


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