Entrevista com o general Carlos Belo Kiamuxinda



Hoje 16.01.2025 temos no nosso estúdio Carlos Belo, mais conhecido por Kiamuxinda. Quem é o Carlos Belo «Kiamuxinda»?

Carlos Belo «Kiamuxinda», nascI no dia 12 de Abril de 1947 na Província do Kwanza Norte, N’Dalatando no Bairro Azul. Os meus Pais são naturais do Lucala, um Município do Kwanza Norte e a minha mãe…

O que aconteceu consigo em 1963?

Eu saio do Kwanza Norte, depois de ter vindo de Malanje. Meu pai foi morto em 1961. Minha mãe fala-me para ir para Luanda em 1962. Quando chego a Luanda o meu primo, JoãoMarcos meteu-me  a trabalhar na oficina da Aeronáutica Civil, numa oficina mecânica. O mestre foi o Sebastião Álvaro dos Santos e o Sr. Matateu que era de Catete.

Mas por um atraso numa segunda feira, o engenheiro que era encarregado da oficina, chamou-me no gabinete e perguntou-me: Sr.? São horas para você chegar? Eu lhe respondi que não, que só atrasei 15 minutos. O senhor queria me dar uma chapada, me disse tu sempre reguila. Ele deu-me a primeira chapada e quando tentou dar a segunda, eu segurei-lhe nos colarinhos, espetei-lhe uma cabeçada e saíram 2 dentes. Eu também peguei em mim e apanhei um táxi  e fui direito ao Sambizanga, onde era o meu centro de refúgio. Estive lá durante 2 semanas a fazer contactos até que um camarada, Domingos Mateus Candondo que levava as pessoas que queriam ir para as matas me é apresentado 

Quando é que tem a fuga para as matas?

Foi dia 13 de Dezembro de 1963 no Sambizanga. Estive durante 2 semanas e depois voltei para o Kassenda para procurar uns amigos que lá tinha, o Paulo Pascoal da Silva  e o João Domingos. O João Domingos era de Malanje, o Paulo Pascoal era do Gulungo Alto. 


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No dia 12 todos dormimos no Sambizanga, às 17 hora do dia 13 partimos do campo do Académico para Caxito, no Sassa. Apanhamos o autocarro e no Sassa lá dormimos e entramos na fazenda de cana e fomos até atravessarmos a estrada que vai para  o Ambriz e logo encontramos o homem que estava a nossa espera.

Nos apresentamos. O Mateus voltou e nós fomos.Atravessamos o rio Onzo e lá encontrámos outro grupo  e fomos andando. Durante 3 dias chegamos na base de Quicabode guerrilha e posto lá encontramos o comandante do Quartel, Miranda Paulo da Silva que nos recebeu. Mas depois um do grupo disse que nós queremos ir para Brazzaville.

Nós não sabíamos as divergências que existiam entre a UPA e o MPLA. Aí tiraram-nos as coisas todas e eu como era o maisinconformado, amarram-me já no pau para ser fuzilado. Mas não poderia ser fuzilado sem a presença do comandante da zona que é o Sebastião Júnior, que é natural do Sassa em Caxito.

Ele vinha, tudo bem, cumprimentou-nos e perguntou o que é que se passa? O comandante explicou que estes elementos estavam a vir de Luanda. Ordenou que me desamarrassem e determinou que nós iriámos com ele na mesma zona.

Fomos na zona. O camarada Paulo foi posto no armamento. O João como sapateiro. Disseram-lhe para arranjar os sapatos dos camaradas. Quando a mim, ele disse você vai ser meu secretário! Eu disse está bem.

Começamos lá a trabalhar. Fomos trabalhando a espera do comandante, que era o chefe máximo da FNLA ali na região que é o capitão Margoso.

Esperamos lá 2 semanas até que ele chegou. O comandante da zona explicou e ele disse: Não, esses não podem ficar aqui. Vão comigo até ao comando operacional de Angola, COA.

E assim fomos com ele e começamos a trabalhar.

A dada altura o camarada Margoso é chamado no Zaíre e então ficamos com o adjunto dele que era o Domingos Miguel Nzambi Nzumbo. Ficamos. Ficamos por lá 1 ano.

Depois aparece o Sr. Domingos César Quissanga de Malanje, um oficial que vinha para fazer o reconhecimento da barragem das Mabubas. A intenção era de fazer o reconhecimento e partir a barragem da Mabubas.

Depois de termos voltado, ele disse que eu preciso de um camarada para fazer o relatório da viagem. Disseram que não havia problema que tem aqui um miúdo, meu miúdo que vinha de Luanda, escreve bem: Vais ajudar o camarada, mas tens de voltar! Ele disse não tem problema.

E lá fomos. A viagem durou 13 dias. O Comandante foi a busca de apoio técnico no Kinkuso. Posto na base do Kinkuso encontramos o camarada Belino que era o chefe do centro.

Camarada Belino viu o relatório, perguntou quem escreveu isso? O Quissanga disse que fui eu. Então tu vais trabalhar comigo!

Então disse-me: Amanhã vou passar-te a guia para Franguete, onde estava o hospital geral.

No dia seguinte deram-me a guia e fui directamente. Fui de carro, mas até posto no Fraguete não permaneço lá e fui directamente até a Kinshasa no bureau da UPA.

Estou no bureau da UPA.

Então no bureau da UPA, posto lá vou apresentar a minha guia e começaram a chamar o homem de segurança. E ele me disse: Você tinha conhecido alguém para atingir a fronteira? Eu disse que não: É a primeira vez! Eu posto cá não conheço bem isso. Então disse-me ele: Ficas aqui para amanhã teres de voltar.

Mas felizmente me apareceu um camarada chamado Domingos José natural de Malanje ele olhou-me para mim e perguntou-me: Você não conhece um camarada chamado Marcos Silva? Eu disse que sim: Marcos Silva era o nome do meu irmão mais velho.

Então ele disse: Você vai ficar comigo lá em casa. Posto lá havia 3 oficiais: Janota de Malanje, o Santos também de Malanje e o filho do falecido mais velho Gourgel, aquele que foi Ministro da defesa da UPA, o ti Gourgel.

Então fiquei lá. Passado umas semanas, o camarada Janota me manda lavar a loiça. Eu disse: Não camarada, mesmo lá em Luanda eu nunca lavei loiça de branco. Nunca! O outro ficou assim admirado. 

E ele como já tinha informação da minha presença ali, era para ir para o outro lado, deixou-me estar.

Depois de uma semana, liga para a empregada e diz: Manda aqui o Carlos para vir buscar o dinheiro para o almoço. Fui para lá, mas antes disso escreveu um bilhete para eu levar para entregar ao François para me meter preso. No caminho li o bilhete para me meter preso. Eu rasguei,  fui para lá e voltei e me perguntou: Entregaste o bilhete? Eu disse: Não! Eu rasguei! Me meter preso?

Passado uma semana ligou para a empregada  e disse para o Carlos ir buscar o dinheiro para o almoço. Posto lá, a empregada Lucrécia chamou o François e este meteu-me na prisão durante 45 dias. Era mesmo uma prisão militar. Lá mesmo no bureau da UPA. Fiquei lá durante 45 dias, mas como tinha uma família que eu já tinha conhecido que era de Catete, o irmão desta trabalhava também no bureau da UPA. Ele tinha 2 cartões. Um da UPA, Um do MPLA. Então ele dá a conhecer: Aquele meu amigo está preso. Está preso? 

Ele fez tudo. Chamava-se Sr. Agostinho natural de Catete.

 

Foi ali que pela primeira vez conheci Holden Roberto. Chamou-me no gabinete e perguntou-me: Qual era a tua intenção de ir a Brazzaville? Eu disse que não! Eu não quero. O único movimento que eu conheço era a UPA! Não conheço mais movimento nenhum. Ele disse que era movimento dos brancos que tinham muito dinheiro. Eu disse: eu oiço dizer.

Bom, então saio. Vou já na casa do Sr. Agostinho. Recebeu-me bem e perguntou-me: Qual era a sua intenção? Eu quero ir no outro lado. No MPLA? No MPLA!

Então ele contacta com o mais velho Miranda Marcolino, o falecido Marcolino que era um indivíduo que tinha ligação com o MPLA.

Não demorou muito tempo, mandam-me chamar mais o Muadiata e o Pedro Brito. Estamos prontos. Depois de 2 dias, o mais velho veio a nossa busca, fomos, descaímos até Kimpansa e de kimpansa descaímos até ao rio Zaire.

O rio Zaire tínhamos de atravessar às 17 horas por causa da ronda das tropas Zairenses.

Quando foram 17 horas, as canoas vieram, subimos na canoa, o mais velho voltou, e nós a chegarmos do outro lado, as tropas Zairenses estavam também a chegar, mas nós já estávamos do outro lado de Brazzaville .

Postos lá, a primeira pessoa que nos recebe lá em Brazzaville foi o falecido Lúcio Lara.

Camarada Lúcio Lara nos recebe, conversou connosco. No dia seguinte, quem nos deu aula é o falecido General Monimambo. Lá ficamos, sensibilizou-nos, explicou-nos tudo, deu-nos as boas vindas e ficamos.

Depois de 2 semanas, os camaradas vieram e disse-nos: Camaradas vocês não podem ficar aqui. Eu por exemplo tive que ir para Dolisie, onde estavam as estruturas militares .

Fui levado e fiquei lá durante muito tempo.

E depois mais tarde quando viram a minha actividade, a minha agressividade, em 1972 é quando me mandam chamar que era para ir o Sudão.

Estavam a faltar indivíduos. Outros que atravessaram do Zaíre e outros saíram de Luanda. Fomos  lá. Postos lá em Brazzaville  fomos 51 camaradas. Composto já com o comandante Dimbuanza e o comandante Dimuca eram esses os nossos comandantes que fomos lá no Sudão.

Chegamos lá, fizemos os treinos de 1 ano e 6 meses. Treinos de 6 meses de infantaria e 1 ano de comandos.

O Camarada Presidente Agostinho Neto visitou-nos por duas vezes. Até levou na primeira vez o camarada José Eduardo dos Santos para integrar o grupo e para treinar.

Mas o camarada José Eduardo dos Santos viu os treinos e disse: Camarada Presidente! Eu se ficar aqui vou morrer. Esses treinos não vou aguentar. Então o camarada voltou com o Presidente e depois mais alguns meses treinamos. Quem encerrou o nosso curso foi o Presidente Nimeiry, que naltura foi o Presidente do Sudão.

Saímos do Sudão para Brazzaville.

Quantos elementos eram?

Eramos 51. Quer dizer: O total éramos 49, tirando os 2 comandantes. Porque os comandantes não treinaram .

Chegamos à Brazzaville,  o camarada Presidente pediu ao Sr. Presidente Ngouabi que era para nós podermos passar a noite no Quartel dos Comandos em Brazzaville .

Fomos todos lá, mas como nós éramos muito agressivos, corremos com eles. O falecido comandante Monstro Imortal quando se apercebeu foi logo transmitir ao camarada Presidente. O Camarada Presidente comunicou logo ao Presidente Nguaby. Preparam-se as condições de carros. Nós saímos de Brazzaville  eram 20/21 horas. Quem até dirigiu a coluna dos nossos camiões foi o camarada Kianda. Ele é ´que dirigiu directamente para a Província de Dolisie. Entramos no Cir Kalunga deram-nos as tendas e ficamos lá.

Nos instalamos aí no Cir Kalunga, chegou o comandante Ndozy,  Monstro Imortal, o camarada Delfim do Castro para apresentar-nos ao elenco todo, lá! 

Depois houve uma missão. O nosso comandante dos comandos era o falecido Marcos e diz: Você Kiamuxinda e Mar Vermelho têm uma missão a cumprir na mata do Maiombe numa área aí.

Há na mata aí, uma montanha que domina toda a mata do Maiombe onde os tugas têm ido lá fazer incursões. Está  bem. Nos deram o equipamento de minagem, fomos, andamos 2 dias e atingimos o cimo da montanha. Posto lá os tugas saíram e começamos a minar a área. Minamos a área a espera do dia seguinte. Portanto eles as 8 horas tinham que passar.

Descemos lá em baixo e logo que eles entraram houve um bum. Houve 15 mortos além de feridos. Todos militares Portugueses. Até o Português comentou na rádio que o MPLA estava a atentar contra a humanidade.

Nós fomos até ao CIR Kalunga, apresentamos a missão ao comandante Pedalé e lá ficamos. E até quem dirigia o CIR Kalunga é o camarada António Jacinto. Ele foi o Director do centro e ficamos.

E depois fomos andando, dando a instrução, até quando apareceram milhares de jovens para se incorporar na guerrilha vindos de Luanda e de outras partes do país, tais como o camarada João Lourenço, camarada Nandó, Bornito de Sousa e tantos outros. Camarada  Hanga, Marília.

Todos apareceram. Milhares. Depois…

É! são batalhões de instruendos. E comecei a dar instrução. Demos a instrução, Mas mesmo com a instrução houve momentos que íamos aos combates.

Fomos no combate do quartel de Miconge, depois do Miconge fomos a Sanga Planície onde recuperamos lá 3 tugas. 3 Portugueses.

Mais tarde depois da conferência inter regionall em Lusaca, então o camarada presidente Neto orienta para que todos do CIR Kalunga têm de ser transferidos para o Binheco, já no interior de Cabinda.

Lá se fez as substituições. Comandamos tudo. Saímos carregados com todos os membros para Binheco.

Lá no Binheco, o camarada António Jacinto e demais camaradas ficamos. Mas dando a continuidade dos combates. Depois mais tarde apareceu o comandante Nzaje que era o Chefe da Segurança que tínhamos que cumprir uma missão no Sanda Massala, porque o Sanga Massala é onde estava o quartel dos TE´s.

Os TE´s serviam o exército Português? Eram pretos?

Sim os TE´s serviam o exército Português. Eram pretos Cabindianos. O General Foguetão e eu fomos nomeados para irmos lá, e o camarada Nzaje ficava no posto do comando. Nós fomos até ao Sanda Massala e estávamos a conversar com o soba, mas depois a dada altura vem um velho com um prato assim segurado com as duas mãos e uma delas com os dedos assim a se mexerem para frente, a dar-nos um sinal sempre a andar e sem falar nada.

Mas o soba compreendendo disse: Epá! É melhor saírem daqui e vão lá para a mata, porque os Tugas já estavam perto. Calculamos que os Tugas já estavam perto. Nós saímos, fomos para as matas e os Tugas chegaram.

Como é? Não viram por aqui uns terroristas ? Não! aqui nunca chegaram ninguém!

Pronto. Eles foram, nós também fomos despedir o velho, fomos até ao posto do comando e informamos ao chefe Nzaje.

Tropa! Precisamos tropa. Os Tugas então aí a frente…

Foguetão como era já comandante do batalhão, organizou a tropa e fomos fazer a emboscada. Na emboscada recuperamos lá um camarada que já foi Ministro dos petróleos. É Cabindiano. O nome é que me passa. Apanhamos o camarada e voltamos.

Quando voltamos apresentamos a missão  ao camarada Nzajie dirigimo-nos outra vez nas nossas unidades.

E continuando com os combates fomos para ir no reconhecimento e atacar o quartel dos TES  com o Foguetão, mas o Foguetão tinha que mandar vir o comandante Max Merengue para cumprirmos essa missão. Max Merengue estava na zona B e nós estávamos na zona A. 

Nos encontramos numa área e reuniu-se todas as condições para o avanço no quartel dos TES. 

Mas o foguetão disse: Não! Os TES não é preciso muita coisa! Camarada Kiamuxinda, como não temos comida aqui, amanhã há uma loja, vais com 15 camaradas, tiras tudo que está na loja e traz, porque nós não temos alimentação. Fui. Ao chegar na entrada estávamos a ver uma coluna dos militares Portugueses que saíam mesmo do quartel dos TES a descerem para Sanga Planície.

Nós não atacamos. Nós já tínhamos minado numa ponte que eles já não passavam. Necessariamente ali não vale a pena. Minamos aquilo.

Eu fui para aporta da loja, abrimos a porta da loja tiramos tudo. A loja era de um português chamado Manuel. Tiramos tudo. Petróleo distribuímos às populações e depois orientamos as populações que quando o Sr. Manuel chegasse, dissessem que os guerrilheiros do MPLA é que levaram. O dinheiro que levamos lá eram 15 mil poucos escudos que entregamos a direcção do CIR.

Esse Sr. Manuel não apoiava os guerrilheiros  do MPLA. Eram daqueles agentes da PIDE que andavam por ali.

Andamos. Eu apresentei a missão ao comandante que era o Foguetão. Mais tarde, passado uma hora o comandante Max Merengue também chega e daí ficamos.

No dia seguinte eu, mais o Foguetão e as tropas caminhamos até ao quartel dos TES.

Chegamos no portão: Comandante está? Comandante está! Vai lhe dizer que está aqui o comandante Foguetão que quer falar com o comandante. O moço foi  lá dizer ao Senhor. O senhor veio, ele mandou-nos entrar. Podem entrar! Entramos .

As nossas tropas ficaram lá fora a fazer o asseguramento. Conversamos com ele. Ele disse: Não! Nós não temos nesse momento problema! Os tugas saíram aqui ontem! Nós já não estamos a ver a nossa participação com eles! Agora estamos  a ver  participarmos no MPLA!

O Foguetão disse: Epá! Já que vocês querem tirar…esses todos?... 

Retiramo-nos sem qualquer problema. Deram-nos até permissão  para o Foguetão ir até ao CIR Binheco para dar a conhecer a situação ao camarada Ndozi.

Isso foi em 1974. Continuamos com os nossos combates, mas mais tarde o camarada Max Merengue… 

Aquele camarada era mesmo…

Pegou na moto Ural. Nós já tínhamos moto Ural e vai directamente…

Mas antes disso os Tugas convidam-nos para um encontro de futebol. O comandante disse: Não! Nós estamos em guerra! Como é que eles vão nos convidar para um encontro de futebol. Mas isso depois, por causa dos camaradas que se deslocaram para Lusaca para o Congresso! Nós aqui continuamos com a guerra.

O comandante Ndozy orientou-nos que mesmo que disserem que parem com os combates, nós não vamos parar com os combates, faz de conta que nós não sabemos de nada.

Então nós continuamos com os combates até que os camaradas vieram de Lusaca: Então como é? Estamos aqui! Nós mandamos para parar? É o chefe! O camarada Ndozy é o comandante! È o estado maior! Temos orientação dele e nós temos que cumprir.

Pararam os combates e depois de pararem os combates, convidam-nos para nós termos um encontro de futebol no quartel do Sanga Planície.

Jogamos a bola contra uma equipa do exército português. Nós até ganhamos, mas de regresso sai o nosso camarada com a moto choca num buraco, partiu as costelas e então tinha que ir até no Belize. No Belize ele não podia ir sozinho. Eu peguei na minha moto que eu tinha, fui até Belize  encontrei o camarada hospitalizado. Peguei nele e voltei directamente ao Binheco.

No dia seguinte, o camarada Max Merengue  pega na moto. Tinha uma AKA móvel, duas cartucheiras, 4 granadas  e vai directamente para Cabinda. Vai à Cabinda, directamente para o Quartel . Chegou no quartel encontrou o guarda: Abre a porta!

O guarda também não rejeitou. Ele abre a porta, chegou lá: Quero conversar com o capitão que é o comandante da Unidade! O capitão desceu: Boa tarde! Boa tarde. E ele apresentou-se: eu sou o comandante Max Merengue e vim para poder transmitir ao Sr. Capitão  que a partir de amanhã o senhor tem que se retirar daqui porque se não se retirar daqui, o que acontecer não seremos culpados! OK! Está bem! Está bem! Ele retira-se e volta. 

O camarada comandante Monstro Imortal comunica a Brazzaville: Olha! O Max Merengue foi à Cabinda  e ameaçou lá o Capitão. O camarada Max Merengue teve de ser chamado pelo Dr. Agostinho Neto que ele não poderia fazer uma coisa dessas. Então desculpou, explicou. Ele pediu desculpa ao camarada Presidente .

Depois do seu regresso, continuamos já sem combates.

A dada altura o comandante Pedalé e o chefe do estado Maior que era o Ndozi, chama-nos: Reúne para que 11 camaradas poderiam deslocar para irem à Luanda criar as condições para a ida do camarada Presidente Neto.

No dia 03 de Dezembro de 1974 apanhamos o avião e chegamos à Luanda. A delegação do MPLA estava na Vila Alice, nesse dia fomos dormir no Cazenga na casa do meu primo António Garcia. Então no dia seguinte fomos apresentar-nos na Vila Alice e aí é nos distribuída a missão.

Eu mais o Yamussinde ficamos para o asseguramento da delegação da Vila Alice. O falecido Triunfo mais outros camaradas foram mandados para a província do Zaire. Na Província do Zaire havia um centro de instrução, um outro no Huambo e o outro para Mussenga na 1ª região.

Admira-me o seguinte já em 1973,vocês podiam entrar em Cabinda como guerrilheiro? Em 1973? E o exército Português não reagia ?

Em 1974 nós andávamos fardados em Cabinda. No jogo de futebol em 1974 nós todos fomos fardados.

Como é que foi a fuga da UPA do General Margoso ?

O General Margoso foge da UPA quando houve aquele massacre de 36 oficiais na base de Kinkuso isso foi em 1973. É ele e o falecido mais velho Nguanda. Eles fogem  e vão direito à Brazzaville. Em Brazzaville  apresentem-se e aí seguiram-lhes para lhes levar na OUA para a informação sobre a real UPA/FNLA. Quando voltam vão directamente para o CIR Calunga.

São enquadrados já aí, pois eu ainda fiz alguns combates com o comandante Margoso contra os Tugas. O Nguanda é que tinha ficado em Brazzaville, mas como o Margoso foi sempre um gajo aguerrido então foi lá no CIR Calunga para estar connosco.

Antes dessa missão de virem para Luanda há a revolta activa e a revolta do Leste?

A primeira revolta é mesmo em Brazzaville. Não foi a revolta do Leste. Porque até a revolta activa quando se criou a revolta activa, aquilo aconteceu na conferência  da base Esperança. É onde, quando o camarada Presidente Neto orienta para que todos vão para o interior de Cabinda.

E então me desculpam lá, não é para ser racista, mas os mulatos não queriam entrar na mata, então  se cria a revolta activa. Estava até o Meneses e outros, como o caso dum que foi antigo dos Petróleos. Então eram muitos gajos aí.

Criam a revolta activa: Ouviam que nós…Como nós tínhamos muita audiência nos instruendos, que nós pudéssemos influenciar os instruendos para não participarem em combates.

Nós dissemos que não. A área é vossa, vocês é que  criaram essa situação.

E quem eram esses mulatos na revolta activa?

Epá! Os nomes já me esqueço .Eu só conheço um deles até foi meu primo, o Meneses e mais este gajo que trabalhava na Petrangol.

Mas quando vocês são nomeados para irem para Luanda, a maioria dos guerrilheiros estavam com a revolta activa?

Não! Não estavam com a revolta activa! Estavam alguns, que eles até estavam a aliciar  a nós para pertencermos  a revolta activa, mas nós dissemos que não. O nosso objectivo no MPLA não é a revolta activa! Se vocês não querem ir na mata o problema é vosso, até porque António Jacinto questiona essa questão.

O António Jacinto e o mais velho, esse que foi dos quadros, aquele branco dos quadros foram contra.

O António Jacinto disse : Camaradas se vocês com problemas que são mulatos, e não podem ir nas matas está por vossa conta! Porque aqui nós viemos para combater. Não viemos aqui para que o negro é só que vai na mata e você fica na cidade.

Aí se começa  a ver. Se começa a criar os problemas raciais do MPLA?

Sim ! Se começa a criar os problemas raciais no MPLA. A revolta activa sediava-se em Ponta Negra. A localização deles era em Ponta Negra onde eles estavam.

Até uma vez convidaram-me. Eu e o Yamussinde para irmos a Ponta Negra para ver se eles nos convencessem a aderir a eles. Fomos lá. Prepararam um almoço. Nós comemos, comemos, bebemos, e depois no final dissemos: Não! Muito obrigado, mas para nós nisso aqui não vai dar! E voltamos outra vez para Brazzaville .Chegamos e informamos ao Camarada  Pedalé e ao camarada Ndozi.

Estamos em 03 de Dezembro de 1974. Seleccionados com 11  militares para a recepção do Presidente Agostinho Neto em Luanda. Conte como é que foi ?

Bem fomos seleccionados para ir em Luanda. Fomos bem recebidos e depois houve a distribuição do pessoal para os Centros de Instrução. No do Hoji Ya Henda eu fui com o falecido Comandante Valódia, fomos lá  identificamos a área. Eu, o Valódia e o falecido Pitoco.

E assim nós decidimos que aquele Centro tem que se dar o nome de Hoji Ya Henda e assim ficou e fomos lá. Fiquei eu, o falecido Bandeira, Marília, o Hangar, o General falecido Petit. Ficamos lá no Hoji Ya Henda.

Mas depois eu estava sempre em stand boy, a ser fustigado pelo comandante Nzaji que não queria me deixar sair do órgão, o DIS.

Como é que vai para a segurança ?

Vou para a segurança porque o Ndozi… 

Eu pertencia o DIS  a partir de Brazzaville. Quando chegamos aqui em Luanda  o camarada Nzaji disse-me que podes fazer outras actividades, mas não podes te afastar.

Manda-me arranjar uma casa na Kamuxiba, uma casa grande. Apresento-a  ao Comandante Nzaji e então é quando chegam os Cubanos. Quando chegam os Cubanos ficam em Kamuxiba. A constituição desse grupo especial foi para acoitar clandestinamente os cubanos e para realizar missões especiais.

A escolha da Kamuxiba se deveu ao acesso ao mar para embarque, desembarque e movimentação clandestina dos cubanos e mesmo nossa.

Os cubanos quando quisessem sair só saíam comigo. Eles não falavam português. Falavam Espanhol e andávamos pelacidade.

Lembram-se quais são os Cubanos ?

O único nome que me lembro é o Arguelles, era o Comandante.

Quais foram as vossas áreas de acção nessa altura ?

A área de acção era única. Era o Kifangondo porque eu digo se nós não tivéssemos o BM 21 naltura?... Eu não sei, mas eu penso assim. Parece que a FNLA entrava. A FNLA entrava. Sem o BM21 a FNLA entrava…

Mas além do BM 21 o nosso grupo já tinha partido 2 pontes, que é a ponte do rio Zenza e abaixo do rio Zenza que é o Terreiro para impedir o avanço da FNLA para Luanda. 

Essas pontes retardaram a progressão relâmpago e rápida da FNLA para Luanda, permitiu a organização e chegada dos cubanos que inicialmente ficaram na Camuxiba e a criação de todas as condições para o desfecho da batalha de kifangondo. Sem essas duas pontes?… Essas duas pontes foram fundamentais e se fala muito pouco. Nessas acções contavam com o asseguramento de efectivos do Cir Hogi Ya Henda e me lembro de um miúdo muito activo, o Staline.

Quem é que parte as pontes? Ali estão uma série de forças .

Nós não estávamos ligados a 9ª Brigada. Fui pela ordem do chefe do Estado Maior e do Iko Carreira, fui chamado para criar um grupo de sapadores, onde estava eu, mais o Luisinho Rosa Lopes e mais outros camaradas.

Então aí, nós começamos a trabalhar porque nós sabíamos que a FNLA tinha que passar mesmo de carro. Partimos a ponte ali no rio Zenza  no caminho quem vai para Caxito e outra partimos no Terreiro, abaixo do rio Zenza. Foram acções espectaculares. O inimigo já as tinha sob controlo. Uma partimos durante a noite e a outra de dia. Infiltramo-nos no seio do inimigo.

Dá-se a Independência em 1975 e onde é colocado ?

Depois da Independência continuei e em 1976 sou nomeado para ir a Rússia fazer um curso de tanques T-55. Fizemos lá 2 anos. Depois do regresso eu volto. Os outros deram-lhes férias, À mim não conseguiram dar férias. E o Camarada chefe de estado maior Xietu, mandou-me chamar e disse: Ocamarada Agostinho Neto precisava falar consigo. Eu fui. O próprio chefe de Estado Maior General é que me deixou lá no  Dr. António Agostinho Neto.

Chamei-te e você vai cumprir uma missão muito difícil! Mas sei que não é difícil. Você vai ser o Comandante do Plano Ferro entre o Lobito até a fronteira do Luau. Eu até questionei: Camarada Presidente eu sou só capitão. Tem majores e outros acima de mim? E perguntou-me: Quem era o comandante em chefe? É o chefe! Eu estou a nomear como capitão e eu conheço mais ou menos o camarada. Você vai criar condições para ter já tropa!

Aceitei e no dia seguinte me deram uma avioneta que me levou até Lobito. Lá no Lobito a Direcção do caminho de ferro deu-me um Land-Rover para ir buscar oficias no CIR Sangue do Povo na Gabela, onde fui buscar o Antas e outros. Eram 2ºs tenentes.

Então lá começamos a criar condições para o asseguramento da linha férrea.

Tinha sempre reuniões com Ministro da Defesa, da segurança e outros responsáveis?

O camarada Iko Carreira, posso dizer que embora ser miúdo era meu amigo. Eu até quando estava no Plano de Ferro, valia apena eu fazer despacho com o Iko Carreira e não com o chefe Xietu. Nós sempre tínhamos reuniões com o Camarada Iko Carreira e tínhamos reuniões com o falecido Nzaji a quem eu dava a conhecer o que estava a fazer e o que não estava a fazer.

Fale sobre o roubo do material de Guerra ao exército Português?

Foi uma missão difícil por volta de Julho de 1975. Fui chamado pelo camarada Xietu e o Camarada Iko Carreira. Kiamuxinda você vai, a tua missão agora é roubar o armamento ao exército Português e entregar às populações, porque as populações estão a ser massacradas pela FNLA e nós não temos como defendê-las.

Chefe? Essa é uma missão de risco! Você é que sabe! Já te demos a missão! Está bem!

Eu venho ao meu grupo da Kamuxiba e digo-lhes tenho essa missão assim. No nosso grupo tinha brancos mulatos e pretos.

Os brancos andavam fardados com farda do exército Português e mesmo com patentes de Alferes, capitão e assim andavam nos camiões. Faziam-se passar como militares portugueses.

Primeiro fomos na Marinha tiramos lá 6 camiões. Depois da Marinha fomos ao Grafanil e tiramos 5. O último eu tinha chegado de Malanje em missão de Serviço. O chefe Xietuchama-me: Epá, Kiamuxinda tens outra missão! É no ASMA!

Fomos lá, tiramos o primeiro camião. Ficamos todos à civil. Terminamos o 2º. Tiramos o 3º. O 4º camião tínhamos carregado 375 armas. De repente nos colocaram: Ninguém se mexe! Descarregam o armamento! 

Descarregamos o armamento entramos lá dentro, nos levaram num armazém lá dentro e todos colocados. Os gajos vieram e viram, olharam para mim e disseram: Esse aqui é que deve ser o chefe! Eu sou o chefe! Eu sou mesmo o chefe. Vem! Subi no Jeep deles e me levaram.

Quantos carros já saíram? É o primeiro carro! O quê? É o primeiro! Se você falar a verdade você pode ir e os outros vão ficar. Deram-me umas coronhadas, mas epá voltei. Voltamos às 17 horas, vieram os carros e levaram-nos para a Casa da Reclusão. Até os gajos tiveram medo. Um dos carros embateu porque pensaram que eram para ser atacados.

Chegamos na casa da reclusão  nos meteram na fila, onde estava o Amílcar Figueiredo, Lago de Carvalho, Luisinho Rosa Lopes. Começaram a dar porrada aos camaradas. Eu disse aos meus camaradas: Não vou me deixar! Kiamuxinda não faz isso! Eu apanhar dos Tugas? Nunca! 

Havia um sargento grande veio ter comigo. Deu a primeira chapada eu travei com mão. Veio com a segunda chapada eu travei com a mão. A terceira disse-lhe: Se dares a terceira eu vou te matar! O capitão e o Furriel que estavam ao lado perguntaram-me quem é o Sr.? Eu sou um elemento do Sudão! Comando do Sudão  e quero vos chamar atenção! Se ele me dar mais uma bofa, vou lhe matar.

A minha missão é roubar o vosso armamento para entregar as populações, porque vocês estão a ver que a FNLA está a massacrar as populações e vocês não defendem. Então essa é minha missão. Vim para roubar  o armamento vosso e para dar na população para poderem se defender.

Quem mandou? Ninguém mandou! Fui eu! Por isso esses camaradas estão a fazer aquilo que eu mandei! Eles não têm nada! Eu assumo a responsabilidade por aquilo que eles fizeram.

Já não bateram ninguém. Pegaram nos camaradas e meteram numa prisão ali.

Eu mais 2 gajos acompanhados com bala na câmara  me disseram: Você fica na cela sozinho. Lá para as 20 estava a fazer muito frio na Casa de Reclusão e pedi cobertor. Os gajos ainda me ofenderam: Cabrão estás a roubar armamento e ainda queres cobertor? Epá! O que é que foi !Aqui há frio!

Me deram 2 cobertores e atiraram. Até tiveram medo de se aproximar. Esse gajo aí …Eu peguei nos cobertores e estendi no chão.

Aquilo foi durante uma noite. O nosso grupo era de 25 e fogem 3. Esses é que vão directamente ao mais velho Xietu e o mais velho Xietu comunica ao Camarada Iko Carreira, o Camarada Iko Correia comunica ao camarada Presidente Neto. 

Camarada Neto comunica ao Alto Comissário Rosa Coutinho. Então é aí que que Rosa Coutinho orienta para nos retirar e colocar na escola Gica. Os brancos e mulatos foram no R-20 por questão racial. Nós os negros ficamos na escola Gica, que era o Grupo da artilharia, o antigo nome da escola Gica e ficamos aí.

O camarada Iko Carreira teve que se deslocar a Lisboa conversar com o Ministro da defesa Português porque eu estava para ser transferido e ser ouvido em Portugal. De regresso é quando mandam naltura o Ministro da Justiça, Diógenes Boavida que vai nos tirar da prisão.

Hoje sei que o roubo do armamento foi crucial para a existência do MPLA naquela altura. Retirou a capacidade de reaccionários do exército português de fazer qualquer investida mais contra o MPLA como fez no ataque a delegação da Vila Alice. Tínhamos roubado armamento em quantidade e potência para responder. Tinha-se retirado capacidade ao exército português e pélo contrário aumentado a capacidade de fogo e de resposta do MPLA se intentassem outra acção parecida. O roubo do armamento foi decisivo. Os militares portugueses ficaram muito apreensivos com aquelas acções. E a partir daí ficaram mais amigos nossos. Tudo feito por esse grupo especial do DIS de que eu era o Comandante. E Esse grupo fez inúmeras missões decisivas.

Fala-nos alguma coisa sobre o 27 de Maio?

Do 27 de Maio eu não posso contar porque eu naltura estava na União Soviética. Quando eu fui Director da escola Gica, o senhor Bakalov não aceitava entrar em contacto comigo. Só aceitava entrar em contacto com o José Vandunen, que era o comissário. 

A missão de tirar agostinho Neto da sua residência como é que foi?

Isso também aconteceu em meados de 1975. Agostinho Neto residia no bairro do Saneamento em Luanda. Bem, fomos comunicados que a FNLA estava para fazer uma acção lá no palácio. Mas se apercebemos e lá para as 20 horas tiramos o Presidente Agostinho Neto. Por orientação do falecido Nzaji, pegamos o camarada Presidente lá mesmo na residência dele e levamos directamente á uma casa……. Muitos dizem que é no Futungo. Eu nego e posso negar. Não é no Futungo. Havia uma casa ao lado de uma descida onde há uma ponte… Havia uma entrada do lado esquerdo com uma casa branca onde fomos   Agostinho Neto. Não é no Futungo. Não. 

Qual é a razão por que era sempre escolhido para fazer as missões especiais?

Eu às vezes até me perguntava? Porque eramos muitos. Eramos vários, mas às vezes quando calhasse missões dessa natureza me mandavam chamar. Eu até uma vez perguntei ao Ministro Iko Carreira: Porquê que somos muitos mas só me escolhem eu? Nós sabemos como você tem actuado e então não podemos mandar outra pessoa que é para não estragar a missão. Tem de ser você porque você sempre cumpriu as missões na íntegra! Quer dizer! Chefe! Eu cumpro as minhas missões na íntegra, mas há um dia que a minha missão pode falhar! Posso morrer porque isso é guerra.

Como que era a composição, a estrutura e o comando das forças especiais da Kamuxiba?

Nós eramos compostos por 25. Não eramos muitos. Nosdividíamos. Cada grupo tinha o seu Chefe e nos dividíamos e essa chefia tinha que cumprir a missão que eu lhes dizia. Vão fazer isso! Vão fazer aquilo! Depois lá para as 17, 19 horas você vai cumprir a missão.

Recordação da estadia no Sudão. Valeu o  tempo que percorreu nas matas a lutar?

Foi boa. Valeu muito, porque o nosso objectivo ou melhor o meu objectivo foi libertar o povo. Não é enriquecer-se, não! Porque ninguém contava que hoje seria General. Ninguém! Mas o objectivo é lutar para libertar o povo. Esse foi o objectivo principal da luta, por isso é que eu não me arrependo. Ser pobre?… Eu não me arrependo! Porque eu sei! Eu lutei. O povo está liberto e hoje estamos independentes.

Os objectivos que esse povo está, são esses que foram alcançados? Hoje como esta o país?

(Risos leves). Quer dizer, o objectivo da luta do MPLA não foi para aumentar o sofrimento do povo! Não! Mas é para liberar… Pronto! Por isso é que as vezes digo, quando os camaradas dizem que esse país não presta?… Não! O país presta! O homem, a direcção… A questão é você na tua casa, por exemplo está o pai, e se caso você não souber gerir?...

Qual é a sua mensagem hoje, depois de uma luta toda nessas andanças que estava? Qual é a sua mensagem para esse povo e para essa direcção do MPLA onde sempre esteve?

Epá! Eu… Por isso é que eu às vezes, dispenso frequentar muito a direcção do MPLA. Porque na sua maioria são novos. Então como novos não nos conhecem. Mas eu gostaria que o camarada João Lourenço mudasse um pouco. Porque eu não aceito que um miúdo de 25 anos, 23 anos é membro do bureau político. Como que á esse camarada vou-lhe respeitar? O que é que ele sabe da história do MPLA? Não sabe! Então vai chegar á mim e dizer que é membro do bureau político? Eu vou dizer-lhe que não! Camarada! Desculpa lá! Você é membro do bureau político. Deram-lhe a função mas comigo não.

Porque o objectivo meu, não é esse que eu lutei. O objectivo da luta não foi esse que eu lutei. Por isso é que o camarada João Lourenço deve pensar mais e lutar mais sempre para a nossa situação.

Eu não digo para a minha situação. Mas a do povo. Porque eu vejo muito povo aí… Quer dizer…

Eu me deparei com uma situação de um homem bem vestido no primeiro de Maio. No sinal luminoso deu vermelho. Parei. Ele chegou: Bom dia! Ó senhor desculpa lá, mas eu estou há 3 dias que não como nada. Mas estava bem vestido! Eu tirei no dinheiro que eu tinha e tirei 2.000 e eu dei-lhe. Por coincidência passou uma senhora a vender pão. Ele comprou pão e começou logo a comer. Logo a comer!… Eu não lagrimei porque enfim… Epá! O objectivo da luta não foi este. Desculpem mas o objectivo da luta não foi este!...

Tem visto pessoas a comerem do lixo?

Já vi pessoas a comerem do lixo. Coitadas. Senhora a tirar lixo que deitam nos contentores para ir dar nas filhas. Oh?...

Justifica-se o sofrimento porque passou na mata? 

Não justifica. Então o meu problema de lutar, é de a senhora ir tirar comida do contentor de lixo para dar às crianças? Não! Se no tempo colonial não se via isso!... Não se via... Epá! Eu vim cá em Luanda mas por pouco tempo. Mas mesmo esse pouco tempo eu nunca vi isso. 

O que é que falta?

Eu penso que é a gestão. O nosso país está a ser mal gerido. O nosso país está a ser mal gerido, porque… Bom!… Veja por exemplo alguns Generais cheios de dinheiro… Temos muito dinheiro, que esse dinheiro dava para sustentar o sofrimento do povo, mas foram comprando casas lá fora. Enriqueceram-se! 

Tens coragem de chegar ao povo que estiveste xis tempo na mata, que és General e que combateste por este país pelaindependência? Tens essa coragem?

Bem!.. Eu nesse momento posso dizer que não. A população conhece-me. Mas eu não posso fazer isso. Não posso fazer isso. Não posso! É aquilo que nós em quimbundo falamos « Mamo nambua, nga fila ku muxima!», quer dizer «tudo que o cão vê não fala nada, mas está no seu coração». 

Que fazer? Lenine disse, o que fazer? Disse isso.

Kiamuxinda sabe que é um espelho para mim e para nós que lhe vimos a chegar naquela altura mais jovem, com uma farda de Cabinda com um chapéu?... E que trouxe conversas que tinha no nosso engajamento na luta de libertação do país? Tem consciência disso que fez? 

Eu tenho! Tenho plena consciência por aquilo que eu fiz e que eu continuo a fazer. Porque mesmo quando me chamarem e se chamarem: Kiamuxinda vai fazer isso, eu vou fazer! Eu vou fazer!

O que foi o que se passou consigo naltura que esteve na União Soviética? Acabou o curso.

Acabamos o curso.  O que aconteceu comigo na União Soviética foi quando o camarada Liberdade, ele é que foi lá a busca dos elementos ditos que participaram. Primeiro foi na nossa República. Eu estudei em Odessa e quando chegou na reunião perguntou pela primeira pessoa: Quem é o camarada Kiamuxinda? Todo o mundo ninguém  quis falar. Porque eles sabiam que eu…

Eu fui mesmo muito mau... Ninguém queria responder. Nem o próprio camarada Batalha de Angola que era o nosso chefe. Ele foi membro do comité central. Ninguém queria falar, perguntou por 3 vezes e ninguém respondeu. 

Depois de sairmos da reunião, fomos para o edifício e ele perguntou novamente ao camarada Batalha de Angola; Kiamuxinda? Está mesmo aí!… Lhe chama! Chamou-me. Fui. Permita-me, chefe? Estava a saber e tu?.. Chefe! Eu sou da segurança. Pela pergunta que o chefe fez, isso quer dizer que me é dado a entender que mesmo que eu não esteja nessa lista, o chefe me iria me meter dentro. Não! Eu vim com orientação do camarada Xietu e do camarada Iko Carreira para saber… e como eu era o chefe de disciplina ao nível da união soviética…

Mas eu disse: Chefe não é assim!... O chefe devia particularmente chamar-me e eu puder explicar ao chefe. Depois daí conversamos.  Orientou para que ele fosse a Moscovo onde estava o outro grupo. Depois da reunião tirou a lista dos nomes que estavam lá, chamou-me á parte e pronto!

E eu no dia seguinte fui levar o grupo ao aeroporto para apanharem o avião para Luanda.

Mas isso depois do 27 de Maio. Tinha sido acusado de que fazia parte?

Não. Eu não fui acusado. Mas se eu estivesse em Luanda seria morto porque o comandante Monstro Imortal foi meu padrinho de casamento.

Mas notava alguma no Monstro Imortal em relação ao 27 de Maio ou o fraccionismo? Tinha algum descontentamento o Monstro Imortal?

Eu…. O Monstro Imortal era muito meu amigo. Por isso é que eu escolhi como meu padrinho de casamento. Muito meu amigo. Assim como a mulher dele Luiza Inglês. Muito meu amigo. Mesmo nas matas. Sempre! Kiamuxinda? Camarada Comandante. Porque Monstro imortal não tinha… Eu nunca tive problemas com Monstro Imortal.

Com os outros comandantes tanto como Xietu ou IkoCarreira?... Com o Iko Carreira tive um problema uma vez. Eu já estava cansado. Depois encontrou-me sentado lá no Ministério. Os outros levantaram-se, eu estava cansado e permaneci sentado. Depois ele me disse: não levantas porquê? Estou cansado! O chefe também tem de me respeitar! Eu sou teu tio! Eu sou teu sobrinho? Sim! O chefe é meu sobrinho!. Sim, és meu sobrinho! A tua mãe é negra! Então você é meu sobrinho.

Ele foi e subiu. Ligou para o camarada Presidente Neto. Neto me chamou e chamou ele também: Camarada Iko? Você sabe que o camarada Kiamuxinda é muito brincalhão. Não é preciso se desentenderem… Ah, camarada Presidente, mas ele?… Mas oh Iko? É sobrinho ou não? Eu aceito Camarada Presidente. Minha mãe é negra. (risos)

Conta a viagem que fez para a busca de 2 mercenários?

Foi o comandante Nzaji que me ordenou em meados de 1975. Malanje tinha lá 2 mercenários para ir á busca. Eu pego no carro e vou. Cheguei no Lucala estava a abastecer e o comandante Monstro Imortal encontra-me no Lucala. Vais aonde? Vou cumprir uma missão do Chefe do estado maior general. Han? Está bem! Despedimo-nos e ele vai. Eu estava a andar com um carro Vauxall Viva que foi de um cônsul americano.  Vou até lá, peço os mercenários ao comandante que lá está.  Deu-me os camaradas: Não é preciso algemar? Não! Não é preciso algemar? Mas ó camarada Kiamuxinda? Não é preciso! Eu estou a dizer isso, que não é preciso! 

E saímos. Pego os camaradas, directamente para Luanda lá no Morro da Luz. Apresento a missão ao camarada Chefe do Estado maior general: Chefe, estão aí os mercenários. Já vieram? Já! Esses homens vocês trouxeram sem algemas?  Até o outro individuo que entendia um pouco de espanhol disse: Esse camarada é muito bom.  Lhes trouxe sem algemas. Eles são presos em Malanje e são presos em combate.  Era um francês e o outro era inglês.  Não é nenhum daqueles que estiveram no julgamento de mercenários. 

Como vice governador para a defesa em várias províncias qual foi a missão mais difícil que teve?

Participei em várias missões. A missão que me marcou, foi quando o General Numa ocupou Kibaxe e recebe (5) casas da JMPLA. E o senhor Governador Ventura de Azevedoentãomanda-me lá: Epá  vai lá ver essa situação em Kibaxe. E levo (3) policias. 3 policias. Kibaxe era a fortaleza da Unita. Quando chego no Kesso aí já encontro o controlo da Unita: Vais aonde? Vou ao Kibaxe!

Lá entrei. Na entrada havia um outro controlo para o quartel onde estava o Numa. Passei, encontro o administrador nosso: Camarada administrador, eu vim por causas das mensagens que você mandou  e o senhor governador mandou-me  que é para poder conversar  com o general Numa. Vai dizer ao general Numa que eu estou aqui a espera dele. Chefe! Ele não vai vir… Tem que vir! 

Foi lá, voltou e ele não veio. Camarada administrador vai dizer ao general Numa, se o doutor Savimbi reconheceu que o José Eduardo dos Santos é o Presidente da República, eu fui nomeado pelo Presidente José Eduardo dos santos. Vai lá buscá-lo. 

Foi a busca dele e ele veio: Boa tarde e entramos na sala de reuniões. Comecei a ler as mensagens que o administrador foi mandando: Camarada General tem a palavra! 

Está a começara a falar um Major da Brinde e eu disse: Não! Se fosse para conversar com o senhor Major eu mandava aqui um sargento conversar consigo. Eu vim para conversar com o General Numa. Senhor General tem a palavra. 

General Numa pediu desculpa, deu-nos as chaves e conversa e mais conversa lá fomos. Convidei-o para almoçar. Vamos almoçar na residência do administrador e pronto! Conversamos muito. Bebemos o nosso maruvo e ele foi. 

As 17 horas eu disse: Senhor administrador eu já vou.  Oh, vai á esta hora?  Eu disse que sim. Eu vou! Na saída eu paro. Mando chamar o General Numa. Ó guarda, chama aí o teu General.

Senhor General! Eu vou aqui na elevação, tenho uma tia que nunca mais vi, então vou lá e volto já. Ok Chefe, podes ir. Lá fui. As 22 horas estava e entrar em Caxito. Apresentei a missão.

Passado 3 dias há outra confusão em Nambuangongo. Fui lá. Resolvi o problema e voltei. Comecei a pensar em sair de Caxito é depois das (2) emboscadas que tive no Morro da Cal. 

Eu estava a vir para Luanda, eram 17 horas e mandam-me parar. Boa tarde! Boa tarde… Sabe do porquê que lhe mandamos parar? Se querem me matar, me matem!  Eram (4) camaradas. Lá se afastaram e reuniram.  Voltaram: Chefe pode ir! Camarada! Peço-vos o seguinte. Eu gosto de ver a bala a vir.  Eu não gosto que alguém me mate detrás. É cobardia. Não chefe. Pode ir. E fui.

A 2ª vez a mesma coisa. Cheguei directamente ao senhor governador e peço a minha demissão: Já não quero mais! Chefe, como amanhã vai a Luanda, comunica ao camarada Marcolino Moco. Naltura primeiro ministro que eu pedi a minha demissão. 

Ele veio aqui em Luanda, comunica ao Marcolino Moco e este ao camarada José Eduardo dos Santos.  José Eduardo mandou-me chamar duas vezes e disse-me: vais sair de lá, mas eu vou tirar o Ventura de Azevedo e você fica governador. Eu disse: Camarada Presidente eu conheço bem o povo de Caxito. Eu só tenho uma irmã que está sob minha custódia. Presidente disse: Está bem e muito obrigado.

 

Quem foram os seus pais e a sua irmandade?

Meu pai foi da missão protestante. Domingos José Belo. 

Em 1961…(suspira e olha para cima por segundos)

Esse homem morreu em 1975 quando eu cheguei. Era o Aníbal que era o comerciante lá na Vila Flor.  Área de Kiangombe. Foram buscar o meu pai, diziam que o meu pai falava com o Lumumba. Como pastor da missão protestante ele fala com Lumumba, dizia o Aníbal.  Então o meu pai foi buscado. Ele e o catequista dele, Gaspar Fernando. Eu também estava para ir. Subi inclusive no carro para ir com o meu pai, porque eu era muito amigo do meu pai. 

Mas os pulas disseram: Ele é miúdo. Deixa ficar! Desci do carro. Depois de descer do carro e no dia seguinte, a minha madrasta foi lá, encontrou o sipaio que disse que esses homens foram queimados no forno de tijolo. Meu pai foi queimado no forno de tijolo. Os dois.

O que aconteceu para que não ficasse na FNLA e procurou o MPLA

Primeiro era que aqui em Luanda tinha alguma amizade com alguns velhos. Eles contavam histórias do MPLA. Então eu fiquei com aquilo do MPLA na minha mente. Porque a UPA em questão de … 

Por isso é que até hoje eu tenho pena da FNLA. A questão do tribalismo. Porque muitos quimbundos foram mortos pelaFNLA. Quimbundos e Umbundos eram logo eliminados.  Por isso é que estou a dizer que se até hoje estou aqui é porque Deus é grande. Porque daquilo que a UPA era?... Por isso é que eu tinha permanentemente na mente que eu tenho de atingir Brazzaville , porque Brazzaville  era onde estava….

Fale-me de sua irmandade.

Marcos Domingos Manuel Belo é o primeiro meu irmão. Luzia Domingos Manuel Belo é a segunda.  Eu sou o terceiro e o cassula de minha mãe. A Luzia morreu há 2 anos em Luanda e o Marcos foi morto pela FNLA no Lucala. Ele já foi no tempo colonial professor de posto.

Quando o MPLA chega nomeia-o como activista político no município do Lucala. Quando começaram as escaramuças ele vai á Cacuso a busca de reforços. Ao vir, há uma senhora que vai dizer á FNLA: Olha, o fulano foi a busca de reforço em Cacuso. Então a FNLA monta uma emboscada na ponte onde ele é abatido. 

Fale-nos um pouco mais do Plano Ferro.

Quando sou nomeado para Comandante do Plano Ferro, eu fui buscar as tropas e alguns oficiais no CIR Sangue do Povo. Isso ocorreu em 1978 quando vim da Rússia. Organizamos tudo. Depois do primeiro comboio que organizamos, o batalhão móvel era composto por 550 homens e só tinham 25 AKAS, RPK, PKM, morteiro 60 e RPG7. 

Os camaradas Iko Carreira, Xietu disseram-me: Epá! Se o comboio não passar, você não vale a pena vir aqui. Dá também já o tiro  em você lá. Não vem mais aqui com truques. Morre! Ao menos você não vem aqui dar explicações. Assim soubemos que você morreu.

E fui.  Organizamos o primeiro comboio do Lobito ao Luau. Fomos até ao Cunje, caímos em algumas emboscadas. Não eram emboscadas de vulto. Fomos até ao Luau. Carregamos 90 vagões de mineiro do Zaíre. Viemos e chegamos até ao Cangumbe, onde dormimos porque não queria dormir no Luena na cidade.

Dormimos no Cangumbe. Mas eu tinha deixado uma secção em Cangonga para reconhecimento. Quando chego em Cangonga o chefe da secção disse-me: Chefe já morreram (3) camaradas. Há uma emboscada de 1 quilometro aí. Eu disse está bem! A malta desceu toda a tropa. De um lado 200, do outro lado do comboio outros 200 e eu e os restantes com o maquinista. Vamos! Fomos andando devagar até entrarmos na emboscada de 1 quilometro. Quem estava a dirigir essa emboscada é o Kufuna Iembe um grande amigo meu hoje. Vejam as coisas. Inimigos ontem e grandes amigos hoje. Já era tenente coronel. Eu era só capitão. 

Lá abriram fogo durante 45 minutos e então ele dá o comando de assalto ao comboio.  Mas quando dá o comando de assalto, eu também tiro a minha pistola Makarof e disparo. A minha tropa eram tipo mercenários.  Cada um tinha direito a Vat 63 que nos davam no Lobito. Aí não há a aplacar. É tiro directo.  São 15 minutos de fogo. Conseguimos travar a emboscada e chegar ao Lobito com toda a carga.

O Plano Ferro surge no quadro do restabelecimento e a normalização das relações entre Angola e o Zaíre, actual Congo Democrático. Eu fiz 2 viagens. A primeira fui atacadopor Kufuna Iembe e a 2ª viajem fui atacado por um grupo de comandos da Unita no Léua e no Luacano. Conseguimos também fazer chegar o comboio ao Lobito.

E saiu porquê?

Saí porque, quando…

Quando viram que eu estava a ter una vantagem junto das estruturas superiores, alguns oficiais foram influenciar o camarada iko carreira, que me orienta para me tirar a escola que estava no Andulo para passar na Chissama. Mas depois de 3 dias, estão a me aparecer indivíduos de que: Camarada Kiamuxinda a partir de hoje você vai depender da DIUE. Eu disse: Não! Eu não dependo da DIUE. Quem me nomeou é o comandante em Chefe Agostinho Neto. Eu não dependo disso! Caso queiram, entrego tudo e vou embora.

Depois disso mandaram uma comissão. Eu estava na Chissama. A minha residência era no Lobito. Apresentei os chefes todos, os chefes dos departamentos. Ficaram 3 dias e não estavam a conseguir. O falecido Monimambo é que disse: Camaradas vocês estão numa comissão, já perguntaram peloChefe da Unidade? Não! É ele que deve apresentar tudo!

Eu já tinha tudo preparado. Depois foram lá ter comigo: Chefe, nós queremos falar com o Chefe. Eu disse: Está bem. No dia seguinte peguei em toda a documentação. Aquilo foi em 30 minutos. Toma! Estão aqui os documentos! Lá viram. Está tudo certo!  Desci ao Lobito preparei minhas coisas, a minha família, carro e fui para Luanda.

Depois de 2 meses o camarada Iko Carreira está a me chamar: Camarada Kiamuxinda o comboio já não está a andar. Está a ser atacado. Você vai ter de voltar! O chefe sabe onde o militar sai, já não volta, pois quando volta morre. Chefe, eu já não volto. Os camaradas têm é que atacar.

O camarada Neto quando tomou conhecimento, chamou o camarada Iko: Camarada Iko quem tirou o camarada Kiamuxinda? Eu! E quem disse que tinha de tirar o camarada? Agora o comboio não está a andar.

E nunca mais voltou a andar até 2014, portanto 36 anos.

Fale-me da operação anulada a última hora para fazer explodir o edifício central da FNLA em Luanda?

(Risos) eu era uma lesma. O Nzaji chama-me e diz: Você tem de fazer um reconhecimento com o teu grupo especial da Kamuxiba de como destruir a base central da FNLA em Luanda. Fizemos a primeira avaliação e para derrotarmos a FNLA tínhamos de destruir o edifício e a melhor forma erapor debaixo pelo túnel. Fomos 3. Entramos no túnel e fomos parar na praia na Marginal. E preparamos tudo.

Parece que o camarada Presidente Neto tomou conhecimento: Chamem o Kiamuxinda rápido! Nzaji: Epá, chamaram-te no camarada Presidente. Fui mesmo com o Nzaji.  Presidente Neto disse simplesmente não façam isso. Não façam isso. Tirem os explosivos. E assim tiramos os explosivos que tínhamos colocados no túnel a frente da casa do povo da Avenida Brasil.

Já tínhamos os explosivos colocados. Era mais importante destruir a casa do povo da avenida Brasil e não a casa do povo da estrada de Catete. Porque a de Catete eu já tinha feito o reconhecimento. Como eu falo lingala eu ia lá falar com eles. Punha o uniforme deles e conversava com eles. Há momentos que eu até fazia as refeições na base da FNLA para ver as armas pesadas que eles tinham.

Quem estava aí na base da estrada de catete era o comandante Barreiro.

 

Que alvoroço houve em Brazzaville  por causa de uma rapariga entre 2 comandantes proeminentes do MPLA?

Foi uma grande confusão entre dois comandantes. Sim! Certa vez um estava fora, e o outro foi namorar com a mulher do outro.. Quando regressa alguém lhe informa e ele não faz outra coisa: espera a ausência do outro e namora com a mulher dele em retaliação. Quando este regressa contalhetudo e foi quase um caos. Entraram em violante discussão eaí queriam rebentar o depósito do armamento. Mas aquilo?... Não vale a pena… Nós tivemos que ser chamados para assegurar o depósito, porque o armamento todo estava lá. Os dois comandantes a discutirem por causa das damas…(risos)

Que incidente esteve para ter lugar quando vieram do Sudão por causa de uma guerrilheira que deixou um dos vossos companheiros para ficar com um membro da direcção?

Epá! Naquela altura o MPLA estava em crise. Havia problemas de alimentação. Um camarada como era o financeiro tinha possibilidades. Então conquistou a miúda naltura que o parceiro estava no Sudão. A miúda concordou. 

Nós quando viemos do Sudão, lá mesmo em Brazzaville, o nosso comandante dispensou o guerrilheiro: Epá, você tem aqui uma dama, vai lá vê-la. 

O guerrilheiro chega na casa da dama, e a dama esta a estender um lugar noutro sítio para o guerrilheiro dormir. Á parte: Epá, o que ´é que se passa? Ah, eu já não quero mais de ti. Não queres mais de mim? Ok! Esta bem! O guerrilheiro voltou. Foi. 

Depois de chegarmos ao CIR Calunga ele nos informa. É assim afinal?  É! É isso! Então nos reunimos e decidimos criar um grupo para irmos abater esse membro da direcção. Eu e o Yamussinde. Pegamos nos carros, mas não sei quem deu as informações ao camarada Presidente, o camarada presidente manda o elemento para a Zâmbia. Então quando chegamos a Dolisie o  elemento já não estava lá. Porque a nossa intensão era ir abater o camarada.

Fale sobre a capacidade militar adquirida nos treinos no Sudão?

Hum!... Os treinos no Sudão… Nós viemos completos mas não bem com saúde.  Aqueles treinos não dão.  É que mesmo depois da nossa vinda, estavam para ir mais 150 camaradas, mas Agostinho Neto disse: Não! Já não dá! Porque eu vi o que esses camaradas passaram. Então já não da! 

Decidiu o contrário. Não foi mais nenhum no Sudão. 

Porque aquilo era assim: Vocês acordavam às 3 da manhã.Preparação até às 7 horas. Vão para o quarto de banho. As 8 menos e um quarto matabichavam.  Pequeno almoço. Comer de pé. Come de pé. 

8 horas formatura . Até as 12 horas exercícios físicos. Depois das 12 são 15 minutos para almoçar. Depois outra vez exercícios. 

Quando forem 20 horas vocês todos calçam as botas ao contrário. A bota esquerda vai para o pé direito e o pé esquerdo calça a bota direita. A mochila com areia e depois molha-se a areia para ficar a noite de sentido. 

Dispensam á meia noite para ir dormir para acordar de novo às 3 e começar outra vez.

Era muita carga. Nós quando viemos, a cabeça não funcionava bem. Nós estávamos misturados com os sudaneses.  O curso era igual para todos. Tínhamos tradutores que falavam lingala. Eu por exemplo falava e falo lingala. Nós tínhamos camaradas que falavam lingala.  

O sul do Sudão faz fronteira com o Zaíre actual República Democrática do Congo e por isso falam também lingala. Nós que percebíamos é que traduzíamos para português  aos outros camaradas que não percebiam.

Nesse momento dos 51 só ficamos 24. Está aí o Chegará, o Mwadiata, o Ary da Costa. O Agostinho já morreu. Morreu no ano passado. O Chegará está vivo mas sem uma perna cortada por causa de diabetes. Yamussinde está difícil localizá-lo.

Conte o episodio para ir cumprir a missão para trazer um ministro do governo sob custódia ao Presidente Agostinho Neto?

(Risos) não tenho problema de falar disso. Ele sai de Luanda naltura  e não avisa ao camarada Presidente Neto E vai a sua terra natal. O camarada Presidente chama o camarada Nzaje e o camarada Nzaje me chama: Epá! Há uma missão aí. O camarada presidente te chamou. Vai só ao Futungo. 

Chego ao Futungo, o camarada presidente me disse: Kiamuxinda, você vai só a Catete a espera do Ministro. Mas não lhe deixa ir mais a lado nenhum. Você vem com ele. Você lhe traz. Vem com ele. Está bem, camarada presidente! 

Vou até à Catete e monto lá o controlo e espero. Mais tarde vinham os batedores à frente do carro do Ministro e pedem para abrir o controlo: Abre! Os batedores ficam surpresos. Abre! Não abre! Abre! Não abre! Os batedores: está aí oMinistro você não conhece? O camarada  Ministro não passa sem primeiro falar comigo! 

Boa tarde camarada Ministro! Eu vim mesmo a mando do camarada Presidente Agostinho Neto, para lhe vir a busca para irmos ao Futungo. Possas! Eu sei que não despedi mas foi uma fugida rápida. Mas o camarada Ministro como é que vai dar uma fugida rápida?

Subimos no carro dele até ao Futungo. Chegamos lá: está aqui o camarada  Ministro, camarada Presidente. Ok! Pode ir. 

O que se passou depois é só entre eles. Tempos depois oMinistro foi exonerado.

Mesmo há 2 anos atrás encontrei com o Ministro. E ele: Você Kiamuxinda me meter preso? Ó chefe, me mandaram e eu tive de cumprir! Tens razão! Te mandaram! Mas eu só dei uma fugida para ir visitar a minha família! Mas chefe, o chefe não pode dar fugida. A qualquer momento poderia ser precisado, como estavam a precisar de si. E agora?

E assim foi a nossa entrevista com Carlos Belo «Kiamuxinda». Aqui está a história. Estamos juntos. 

Muito obrigado

Muito gosto

Por Gunxi dos Santos para o Lil Pasta News


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