Um Medalhão de Memória e Reconciliação: Angola aos Cinquenta



Há momentos em que os fios da memória e do destino se entrelaçam com clareza fulgurante — quando o menino que, outrora, percorreu os caminhos poeirentos do Huambo vê o seu nome pronunciado numa sala presidencial. Vivi esse momento recentemente, quando a minha irmã mais velha, Olga Maria Namanico Jamba, com a dignidade serena que sempre definiu a nossa linhagem materna, recebeu, em meu nome, uma medalha nacional das mãos de Sua Excelência João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente da República de Angola.


A distinção atribuída a figuras notáveis na categoria de Paz e Desenvolvimento integrou as cerimónias oficiais do cinquentenário da Independência de Angola. É um reconhecimento que transcende o mérito individual: constitui um gesto de evocação colectiva, de reconciliação e de renovação nacional.


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Nas terras altas do Centro de Angola, cada família reivindica uma mulemba, a figueira sagrada que testemunha gerações. Encontrei a nossa em Manico, perto do Chiumbo. Sob o seu dossel generoso, senti o estremecimento do regresso: não apenas a um lugar, mas a um sangue, a uma raiz viva. Aquela árvore não era mero vegetal — era catedral da pertença, oração geográfica que esperava pacientemente o meu regresso.


A procura levou-me mais fundo, às florestas de Malanje, em busca do meu avô materno, Mateus Kanjila, que de lá partiu para se fixar na Missão de Chissamba, no Bié. Aí, um riacho corre e, em certos dias, as suas águas brilham como prata líquida. Outro ponto sagrado no mapa do meu ser.


Angola está repleta desses lugares repositórios de memória, beleza e promessa. Num país tão vasto e diverso, há mais que nos une do que nos separa.


As minhas irmãs foram e são as mulembas da minha vida — sólidas, protectoras, silenciosamente resilientes. Recuo, na luz dourada da memória, até 1972: um menino de seis anos, em Fátima, Huambo, conduzido até à escola pelas mãos firmes dessas mulheres extraordinárias, cujas vozes me ensinaram, pela primeira vez, o significado de resistência.


Nos anos difíceis do exílio na Zâmbia, foi a minha irmã mais velha, já falecida, Noémia Jamba Mulimbwe, quem me criou. Dos oito aos dezoito anos — o limiar entre infância e maturidade — ela foi mãe, pai, professora e guardiã. Como o imbondeiro que abriga a aldeia inteira, criou um espaço de afecto numa terra estrangeira.


Lembro-me de uma noite em Lusaka, tinha talvez 14 anos, sentado sob um céu sem promessas. Sentia-me sem lugar: nem zambiano, nem capaz de regressar a Angola. Ela aproximou-se em silêncio e, com voz calma, murmurou: "Meu irmão, nós não estamos perdidos. Somos sementes levadas pelo vento, à espera de florir noutro solo." Essas palavras transformaram-se em âncora. Cada escolha feita em direcção ao serviço, em detrimento da amargura, foi moldada pelo amor dela.


É por isso que este gesto do Presidente Lourenço assume um significado profundo. Apesar de os meus caminhos políticos nem sempre terem coincidido com os da actual governação, este acto ultrapassa a partidarização: é uma afirmação de que o futuro de Angola exige concórdia e não hegemonia — uma sinfonia de vozes, não um monólogo.


A minha trajectória de serviço começou com uma bolsa de estudos da UNITA para o Reino Unido, em 1986. O meu irmão mais velho, Jaka Jamba, com a sua visão arguta, disse-me: "Angola precisa de construtores, não apenas de poetas." Estudei Jornalismo e Comunicação Estratégica, não por vaidade, mas para dar ferramentas ao diálogo nacional. Na Seton Hall University, nos EUA, refinei esta prática: transformar complexidade em compreensão, narrativas em pontes.


Com o saudoso Segunda Amões, aprendi que o desenvolvimento não se impõe — cultiva-se. Através do Projecto Camela Amões, vi que o progresso verdadeiro nasce da comunidade, como as florestas nascem do cuidado silencioso dos lavradores. Foi Camela quem me ensinou aquilo que nenhuma universidade poderia: que a esperança, muitas vezes, tem mãos calejadas e ri na boca das crianças que, agora, frequentam escolas onde antes só havia sonho.


Cada etapa da minha carreira tem sido uma tribuna — no jornalismo, na docência, na diplomacia. No seio da Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (OEACP), compreendi que a história de Angola faz parte de um enredo maior do Sul Global: uma narrativa de resistência, criatividade e construção. Ensinar revelou-se outra forma de aprender. Escrever e falar tornaram-se meios de iluminar o silêncio e devolver voz ao ausente.


Esta medalha, portanto, não é apenas minha. Pertence a todos os professores que acreditaram, aos mentores que guiaram, às irmãs que amaram e aos angolanos que sonham com um país onde o talento é reconhecido para lá da filiação partidária.


Ao Presidente Lourenço, deixo o meu mais sincero obrigado — não apenas pela distinção, mas por ter reafirmado a ideia de uma Angola suficientemente ampla para todos os seus filhos.


À minha irmã Olga Maria Namanico “Guita”, que recebeu esta honra com tão nobre compostura: tu és a verdadeira medalha da nossa vida — a brilhar não em metal, mas no ouro puro do amor incondicional, como a Mana Nanda, Noémia, Natália, Flora, Octávia; Mena, Lulu, Chida, Chisó, Hely, Nadir, Darling Dahlia, Ruth, Facia, Simbovala, Kanga, Bwalya, Chanda, Netinhas, entre outras. Muito obrigado.


E a Angola — pátria querida, terra de mulembas e riachos de prata, de florestas que guardam pegadas ancestrais e planaltos que acolhem árvores genealógicas — esta homenagem é a renovação do meu compromisso com o teu futuro. De Manico a Chissamba, de Malanje ao Huambo, pulsa o coração de uma nação, cuja diversidade é a sua maior força.


Somos ligados por mais do que fronteiras. Somos costurados por árvores que conhecem os nossos nomes, por águas que reflectem os nossos sonhos, por solos que escutam os passos dos que vieram antes de nós. Neste território vasto e maravilhosamente nosso, que saibamos sempre escolher a memória em vez do esquecimento, a unidade em vez da divisão, e a esperança em vez da desistência.  

Ndapandula. Ngasakidila.

Sousa Jamba


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