Lei n.º 17/24 – Um Ano de Consolidação Regulatória e o Desafio da Execução Técnica no Sector de Jogos em Angola



Um ano após a entrada em vigor, a Lei n.º 17/24, Lei da Actividade de Jogos, demonstra solidez conceptual e impacto económico, mas expõe a urgência da execução técnica e digital no sector de jogos em Angola. Este artigo analisa os desafios do enforcement digital, a interligação com a Lei 5/20 e as perspectivas de consolidação regulatória até 2026.

Lei n.º 17/24 – Um Ano de Consolidação Regulatória e o Desafio da Execução Técnica no Sector de Jogos em Angola

Por: Academia CAZOS de Justiça & Inovação (CJIA) Núcleo de Regulação e Compliance Financeiro Luanda, 28 de Outubro de 2025

1. Introdução

Há exactamente um ano, a Lei n.º 17/24, de 28 de Outubro, redefiniu o regime jurídico da actividade de jogos em Angola, substituindo um quadro legal fragmentado por um modelo de regulação integrada, prudencial e comportamental, em linha com as melhores práticas internacionais¹. O diploma rompeu com a visão meramente fiscal do jogo, elevando-o a um sector económico regulado, dotado de relevância pública e valor estratégico para a diversificação do PIB não-petrolífero².

Num contexto em que o iGaming africanocresce a um ritmo médio de 1,6 % ao ano (CAGR 2024-2029)**³, Angola enfrenta desafios como o boom das apostas móveis — tendência que ultrapassa 80 % em mercados africanos como a África do Sul⁴ — e o risco de adição entre jovens apostadores, exigindo políticas de prevenção e de responsabilidade social.


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A reforma de 2024 teve um duplo mérito: recentralizou a autoridade no Órgão de Regulação, Supervisão e Fiscalização da Actividade de Jogos (sob tutela do Ministério das Finanças) e instituiu um paradigma de legalidade tecnológica, em que a fiscalização digital, a certificação de equipamentos e a rastreabilidade financeira se tornaram instrumentos de soberania regulatória. Este movimento acompanha tendências globais como a utilização de criptoactivos em apostas e a proliferação de plataformas não licenciadas, que alimentam um “mercado cinzento” ainda expressivo no espaço lusófono africano.

2. O Impacto Económico e a Emergência de um Mercado Regulamentado

De acordo com indicadores do Ministério das Finanças e da Administração Geral Tributária (AGT), as receitas fiscais provenientes do jogo atingiram 13,23 mil milhões Kz no primeiro semestre de 2025, representando 74,6 % da arrecadação total de 2024 (17,73 mil milhões Kz) e um crescimento de 64,2 % no período homólogo⁵. O sector já se afirma como vector complementar da economia não-petrolífera, em linha com o Plano Nacional de Desenvolvimento 2023-2027 e com os ODS 8 e 16.

O avanço resulta da formalização de operadores, da adoção de mecanismos de compliance financeiro e da construção de uma cultura regulatória baseada em prova e transparência. Persistem, contudo, plataformas não autorizadas que exploram lacunas digitais e sistemas de pagamento externos, aumentando os riscos de branqueamento de capitais e fraude tecnológica.

Ao articular o artigo 153.º da Lei 17/24 com os princípios da Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro — que regula a prevenção e combate ao branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa —, o legislador consolidou a interligação entre regulação económica, integridade financeira e compliance tecnológico, em consonância com as recomendações do GAFI⁶. A modernização coloca Angola num padrão de supervisão comparável ao de Malta, Portugal e Cabo Verde.

3. A Continuidade Regulada e o Dever Constitucional de Execução

A reforma introduziu um dever constitucional de continuidade regulada, derivado dos princípios da boa administração (art. 202.º CRA), da legalidade (art. 6.º) e da segurança jurídica (art. 2.º). Esse dever impõe ao Estado a obrigação de assegurar que a lei tenha execução plena e contínua.

A demora na publicação dos regulamentos complementares e dos Títulos Habilitantes Transitórios (THT), prevista no art. 153.º, configura uma omissão administrativa qualificada, com impacto sobre cerca de 40 % dos operadores e perdas fiscais estimadas em 1,5 mil milhões Kz (estimativa CJIA com base em dados AGT)⁷. Comparativamente, Portugal(DL 422/89, republicado) fixou 90 dias para regulamentos técnicos; Malta, 60; Cabo Verde, 120. Angola previu 180 dias — prazo razoável, mas ultrapassado sem execução integral. Daqui decorre um dever jurídico de acção administrativa, sob pena de frustração da ratio legis e erosão da confiança no ordenamento regulatório.

4. A Dimensão Tecnológica e o Desafio do Enforcement Digital

O artigo 85.º da Lei 17/24 criou a Unidade Central de Jogo (UCJ), estrutura técnica destinada à monitorização em tempo real de transacções, certificação de sistemas e gestão de dados telemétricos⁸. Esta inovação coloca Angola entre as poucas jurisdições africanas que reconhecem a fiscalização digital como expressão da soberania económica.

Contudo, a UCJ permanece em fase de instalação e apenas parte dos técnicos afectos ao regulador possuem formação em auditoria tecnológica. A cooperação interinstitucionalcom o BNA, a Unidade de Informação Financeira (UIF) e o INACOM é determinante para a eficácia do enforcement digital e para a criação de infra-estruturas interoperáveis.

Experiências da DGOJ (Espanha) e da UK Gambling Commission (Reino Unido)mostram que a monitorização em tempo real e o controlo automatizado de pagamentos reduzem substancialmente a incidência do jogo ilegal⁹. Angola poderá alcançar resultados análogos ao consolidar gateways financeiros regulados, APIs de reporte auditáveis e padrões ISO 27001 / 27005, integrando soluções KYC em blockchain e IA para detecção de padrões suspeitos.

5. Perspectivas para 2026 – Da Norma à Execução Efectiva

O segundo ano de vigência da Lei 17/24 deverá marcar a execução técnica e a consolidação operacional. Prioridades da CJIA:

1 Publicação do pacote técnico-regulamentar (certificação TI, logging, compliance digital);

2 Activação plena da UCJ, com IA para pattern detection e auditoria automática;

3 Gateways financeiros e KYC via blockchain, rastreando transacções e reduzindo risco reputacional;

4 Promoção do jogo responsável, com limites, auto-exclusão e publicidade ética;

5 Transparência regulatória, com divulgação pública de licenças e relatórios semestrais.

Cumpridas estas metas, Angola reforçará a confiança dos investidores e projectará o ISJcomo referência continental em regulação digital e ética do jogo.

6. Conclusão – O Valor Jurídico da Execução

Um ano depois, a Lei 17/24 prova a sua solidez conceptual e impacto económico. O desafio é assegurar a execução efectiva, integrando compliance, IA e transparência. Sem execução, não há regulação; sem regulação, não há mercado sustentável.

A autoridade de um Estado mede-se não pelo número de leis que promulga, mas pela consistência com que as aplica. Angola tem a oportunidade de fazer da Lei 17/24 um símbolo de maturidade institucional, executada com tecnologia, ética e visão pública, posicionando-se como líder africano em iGaming ético e regulação digital inteligente.

Notas de Rodapé

1 Diário da República, I Série, n.º 206, 28 Out. 2024 – Lei n.º 17/24 (Regime Jurídico da Actividade de Jogos).

2 Ministério das Finanças (2024), Plano Nacional de Desenvolvimento 2023-2027.

3 Mordor Intelligence (2025), Africa Online Gaming Market Report 2024-2029 (CAGR médio ~11,6%).

4 SOFTSWISS (2025), iGaming in South Africa 2025 – Market Overview (participação móvel >80% como exemplo regional).

5 Jornal Expansão (08 Ago. 2025), “Receita fiscal dos jogos cresce 64,2 % para 13,23 mil milhões Kz no 1.º semestre de 2025”.

6 Lei n.º 5/20, de 27 de JaneiroLei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, DR I Série n.º 12.

7 Estimativa CJIA (2025), baseada em dados públicos da AGT (perdas fiscais potenciais por atraso regulatório/THT).

8 Lei n.º 17/24, Arts. 83.º-86.º (certificação de sistemas; Art. 85.º – Unidade Central de Jogo).

9 DGOJ (Espanha) e UK Gambling Commission (Reino Unido), Compliance/Enforcement Reports 2023-2024 (efeitos de monitorização em tempo real e controlo de pagamentos).

Referências Bibliográficas

República de Angola. Lei n.º 17/24, de 28 de Outubro – Regime Jurídico da Actividade de Jogos. DR I Série n.º 206.

República de Angola. Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro – Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa. DR I Série n.º 12.

Administração Geral Tributária (AGT).Relatório de Execução Fiscal – 1.º Semestre 2025. Luanda, 2025.

Mordor Intelligence. Africa Online Gaming Market Report 2024-2029. Hyderabad, 2025.

SOFTSWISS. iGaming in South Africa 2025 – Market Overview e iGaming Trends 2025(sumário H1).

Malta Gaming Authority (MGA). Remote Gaming Regulations & Technical Guidelines.Valetta, 2024.

Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos (SRIJ). Relatório Anual do Jogo Online 2024. Lisboa, 2024.

Dirección General de Ordenación del Juego (DGOJ). Informe Anual de Control 2024. Madrid, 2025.

UK Gambling Commission. Compliance and Enforcement Report 2024. Londres, 2025.

Academia CAZOS de Justiça & Inovação (CJIA). Estimativas Internas de Impacto Regulatório e Fiscal (2024-2025). Luanda, 2025.


Fonte: Cazos Advogados


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