Entre São Bento e Moxico- Sousa Jamba



O Parlamento português, de súbito, tornou-se palco seguido com avidez deste em Angola. A deputada Eva Cruzeiro, outrora conhecida como a rapper Eva RapDiva, fala; a câmara regista; as plataformas multiplicam recortes; e, em Angola, os comentários acendem-se em telemóveis, varandas e cafés. Muitos exaltam-se sempre que, no hemiciclo, alguém contraria a nova deputada. Como se aquela casa fosse extensão de uma praça de bairro, eco de uma sala de estar.


Numa das sessões, a deputada ergueu a voz num fio de ideias claro e cortante. Disse que a presença de um partido de extrema-direita polariza a sociedade, difunde discurso racista e xenófobo, espalha linguagem de ódio. Acrescentou que, à luz da Constituição, um tal partido nem deveria existir. Pediu formação e capacitação para os funcionários das instituições públicas que lidam com imigrantes, para que a crispação ideológica não contamine procedimentos e decisões. O presidente apressou o relógio e avisou que o tempo se esgotava. O fio, no entanto, já estava lançado.


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Veio a resposta de um deputado dessa bancada, em tom ofendido e cerimonial. Acusou-a de proferir discurso de ódio. Invocou a legitimidade do voto popular. Rejeitou os rótulos de racistas e xenófobos. Declarou que o seu grupo parlamentar não admite insultos. Fez da palavra honra um escudo e do regimento uma trincheira. Pediu respeito como quem exige rendição.


A réplica não tardou. A deputada disse que ele bem poderia agradecer todas as vezes em que ela se calou. Avisou que a agressividade não a impressiona. Prometeu regressar ao púlpito sempre que necessário. Reafirmou que são racistas e xenófobos e que, segundo a Constituição, não deveriam existir nesta democracia. Apontou para o cartaz à entrada da Assembleia como prova de uma pedagogia do preconceito. Rematou com a frase que é pertença e raiz: estou na minha terra; esta é a nossa terra. A mesa pediu contenção. A fita ficou em suspenso, como se a própria gravação precisasse de respirar.


Seguiu-se o episódio que acendeu a sala e a rua. Um deputado do Chega gritou que a deputada devia voltar para o seu país. A resposta veio sem hesitação: Portugal é o nosso país. O ar mudou. O rumor atravessou corredores, saltou para os telemóveis, cruzou o Atlântico e pousou onde a diáspora afina o ouvido.

O vendaval ganhou corpo. Em Angola, a frase correu grupos e esplanadas. Com ironia ferida, chamaram ao autor do berro Kadeputadozito. Disse-se que ultrapassara a linha; que não cabe a um eleito pôr em dúvida a pertença de outra eleita. No Lobito, na Lunda, no Moxico, repetiu-se a mesma ideia com a mesma nitidez: não é próprio que um deputado insinue que a portuguesa não é portuguesa. Não é próprio que um representante do povo semeie dúvidas sobre a autenticidade de quem o povo elegeu.


Os excertos rodaram em silêncios de família e ruídos de trabalho. Cada pausa de respiração virou motivo de análise. Cada verbo arrastou um coro de concordâncias e desavenças. Houve quem estranhasse a ferocidade. Houve quem a reconhecesse como velho conhecido. O hemiciclo lisboeta, por instantes, pareceu espelho. Nele refletiram-se histórias de mobilidade, cicatrizes coloniais, ansiedades de pertença, o labor cotidiano de quem procura lugar e respeito.


A posição a  Eva RapDiva (oh, Deputada Eva Cruzeiro)  e certos Angolanos lembra as cunhadas que se metem numa querela de casal. Sabem que não lhes cabe vigiar a vida alheia; que o que sucede entre a irmã e o marido pertence ao pacto que os uniu. Ainda assim, há um vínculo mais antigo que as convoca. Toca mais fundo do que a etiqueta familiar e, muitas vezes, não encontra palavras. É dessa matéria que nasce, em muita gente em Angola, a ligação a Eva. Veem nela uma das suas. Reconhecem, ao mesmo tempo, que é portuguesa de nascimento e de direito. Afirmam por isso que lhe assiste pleno lugar no Parlamento português. O resultado é uma conexão inevitável e intrincada, feita de afetos e de memória. A história escreve-se em atas e diários; a psicohistória corre por baixo como água que trabalha a pedra. É aí que este caso vai buscar raízes e assombros, do Lobito à Lunda e ao Moxico.


Há ainda outro nível, menos visível e mais persistente. Entre Angola e Portugal resiste um laço psicológico que a história turbulenta não extinguiu. Família cruzada, cartas antigas, viagens, televisão ligada em aldeias onde já quase nada resta do tempo colonial, salvo a rotina de ver Lisboa. Muitos angolanos sentem orgulho ao ver uma mulher negra, angolana de coração e formação, ocupar a tribuna em São Bento, articular ideias com nitidez, não se deixar intimidar. Querem que a sua voz se ouça ali, porque aquela casa também lhes fala, mesmo quando isso não parece evidente. É uma ligação de pertença. Não de favor. De direito e biografia. Como Gana que se orgulha ao ver um dos seus em lugar cimeiro no Banco Central da  Inglaterra, assim muitos em Angola reconhecem em Eva a prova de que a sua história cabe no centro da decisão.


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