Não é preciso demonizar a ideia para admitir o fracasso da execução. Trazer Lionel Messi a Angola, pagar o que se pagou, não é, em si, um gesto absurdo. É a tentativa de um país se inscrever na geografia afetiva do mundo, de afirmar que aqui também se pode viver, ainda que por uma noite, o arrepio de grandeza reservado a outros.
Angola conhece o poder transformador de uma figura global. Em 1997, a princesa Diana caminhou pelo campo minado do Huambo, num gesto de comunicação que alterou a conversa mundial sobre minas antipessoais e inscreveu Angola no mapa simbólico. O gesto foi tão poderoso que se espera que um dos seus filhos refaça o percurso, fechando um círculo histórico.
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À luz desse precedente, compreende-se o potencial de ver Messi jogar contra Angola: o melhor do mundo enfrentando a nossa seleção em Luanda, nos cinquenta anos de independência. A narrativa seria nítida: um país saído da guerra abre o seu estádio à face mais reconhecível do futebol.
Para tanto, não bastava desembolsar milhões e encher o estádio. Impunha-se uma estratégia de comunicação e legado que convertesse aquela noite num capítulo duradouro. Antes de o avião argentino aterrar, o país precisava de dizer ao mundo por que vinha Messi, o que vinha iluminar, a que causas e projetos se ligaria, aproveitando aquele raro minuto de atenção global.
Falou-se de parcerias com a UNICEF, o que é desejável, mas era indispensável um roteiro que o ligasse à geografia e ao futuro económico de Angola. Imaginá-lo nas dunas do Namibe, em Cabinda provando maruvu, no Cuando Cubango vendo a vida selvagem, ou nas plantações de café, promovendo a diversificação agrícola e o turismo. Poder-se-ia tê-lo visto com autoridades tradicionais, vestindo trajes típicos ou provando funge e moamba. Filmado com inteligência, esse material valeria incalculavelmente para a projeção de Angola, que procura libertar-se do petróleo. Isso teria legitimado o investimento, convertendo o cachê em imagem.
Em vez disso, instalou-se o mal-estar. Nas redes, procurava-se um sinal fundo de Messi, e encontraram-se apenas mensagens protocolares. Esperava-se um gesto que dissesse que Luanda o marcara. É o sentimento do amor não correspondido: um povo abre o coração e descobre que o épico para si foi rotina para o outro.
Não faltam exemplos de como gestos mínimos produzem efeitos máximos. Mark Zuckerberg a comer comida nigeriana numa banca modesta, ou Bill Gates em contextos simples, geraram milhões de visualizações e reforçaram laços emocionais, apoiados nessa humildade performativa.
A história africana oferece o exemplo de 1974, quando Mobutu patrocinou o "Rumble in the Jungle" (Foreman vs. Ali), gastando dez milhões de dólares. Muitos viram nisso um desperdício; contudo, desse episódio nasceram livros de Norman Mailer, filmes, documentários e um imaginário persistente sobre o antigo Zaire. Meio século depois, há um museu e o momento é uma referência global.
A comparação não visa reduzir Angola ao Zaire de Mobutu, mas sublinhar a diferença: ali, forjou-se um mito duradouro; aqui, arriscamos ficar com o eco das vuvuzelas. A Jamaica, similarmente, fixou-se no imaginário global como cenário de filmes, além dos seus velocistas.
Países pobres que pagam por glória importada devem encadear esses instantes numa estratégia ampla. Caso contrário, fica a sensação de festa nas bancadas, mas pobreza de ideias no topo, como fogo de artifício caríssimo sem plano para o escuro que se lhe segue.
Trazer Messi não foi um erro. O erro foi não saber o que fazer com ele. A crítica não recai sobre o sonho, mas sobre a ausência de visão. Faltou o resto, aquilo que transforma um evento desportivo em marco histórico, como a caminhada de Diana no Huambo.
Não se pede que Angola renuncie a sonhar alto. Pede-se que invista em narrativa, causas e pessoas; que não se limite à fotografia, mas construa a história; que integre o momento num manual de futuro. Messi passará, como Ali e Diana; o que permanece é como o país aproveita esses instantes para se repensar.
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