O genocídio de árvores na cidade de Luanda



Na cidade da Kianda, arrancar árvores tornou-se hábito, quase rotina, como quem arranca folhas secas de um arbusto. A cidade, já castigada pelo sol inclemente, parece perder a alma a cada tronco derrubado e, com ele, parte do seu simpático sorriso africano. A humidade do majestoso rio Kwanza e a brisa fresca do mar já não conseguem conter os lençóis de poeira que se levantam diariamente, levando centenas de pessoas aos hospitais superlotados com doenças respiratórias e outras de “prender a respiração”.

Dói assistir a esta caricatura de transformação, que expulsa parte do ambiente nativo como se cortar laços com um passado recente fosse privilégio de alguém.

Luanda é terra de embondeiros imponentes. Quem nos antecedeu certamente guarda memória dos batalhões de Baobá quase de mãos dadas, onde hoje há betão armado ou simplesmente areia escaldante como a do deserto do Namibe. Luanda é também terra de frondosas árvores, como as mulembas que ainda sobrevivem silenciosas. Árvores que falam… falam… mas ninguém as ouve. Usam a mesma linguagem do silêncio, como escreveu o poeta Jorge Macedo.

Sob o olhar da lua ou do astro-rei, homens aparentemente normais, de machado ou catana em riste, como se tivessem perdido a memória, continuam a condenar ao silêncio do deserto as árvores que ainda refrescam a cidade da Kianda. Imponentes embondeiros, floridas acácias, majestosas mulembas, elegantes eucaliptos e tantas outras belas da natureza são abatidos sem critério. Uma verdadeira dor de cabeça, comparável apenas à da malária.

O espetáculo repete-se dia após dia, sob o olhar distraído de Luanda. A velha cidade, sob a actuação seletiva dos fiscais das administrações, parece enxergar apenas as zungueiras. Todo o resto passa despercebido: sem questionamento, sem travão.

O que antes parecia descuido, uma simples poda mal-feita, revelou-se, com o passar dos anos, um padrão devastador. As árvores mais belas e antigas da cidade são abatidas como se o progresso exigisse a sua morte. Cada árvore caída leva consigo algo de Luanda: o fresco, a sombra, o encanto. Hoje, já quase não se veem famílias a passear, nem sequer aos domingos.

Até os nossos irmãos com deficiência visual notam as mudanças. As aves foram expulsas à machadada. Os rouxinóis já não cantam, nem nas douradas tardes de Novembro. Os beija-flores, pequenos helicópteros das flores, desapareceram do quotidiano da cidade.

Enquanto isso, apenas o betão avança firme, com passos largos de quem quer transformar a casa da Kianda num forno a céu aberto. Que o digam os transeuntes ao meio-dia. A temperatura desafia qualquer fornalha, que o digam os apeados. Por conta disso, São Pedro até parece ter fechado as torneiras do céu e, quando se lembra da Kianda, abre ao mínimo o chuveiro, apenas para molhar algumas avenidas engarrafadas, esburacadas e poeirentas, como as de Viana e arredores.

Quem passar pela Maianga verá a Rua 21 de Janeiro completamente careca. Na elegante Avenida Antónia Barroso, quase ajoelhadas, ainda resistem algumas mulembas idosas. Mas noutras avenidas e alamedas, o cenário é de deserto. O vento já não encontra copas para sacudir troncos e fazer as folhas dialogarem com o tempo.

Nos bairros, a situação é ainda mais grave. Uma verdadeira chacina. Ninguém falou quando, no Calembe-2, um imbondeiro centenário foi abatido, há cerca de quatro anos, levou semanas o seu abate, quando, na verdade, o edifício que ali nasceu podia conviver com o tempo e com a memória dos nativos. O mesmo aconteceu com o imbondeiro junto à sapataria do Tio Chico Sapateiro no bairro Neves Bendinha. Os populares elevaram a voz aos céus. Não houve ouvidos para o clamor dos filhos da terra.

Na Maianga, no bairro Mártires de Kifangondo, junto à discoteca da Mamã Monique, foi assassinada, sem apelo nem agravo, outra árvore centenária. No mercado dos Trapalhões, uma mulemba segue o mesmo caminho, com os dias contados, como um condenado à espera do anjo da morte.

É verdade: neste cenário inédito, os fiscais parecem profundamente adormecidos, talvez para acordarem noutra encarnação.

Alguém, um dia, terá de nascer, ou acordar, para lembrar que as árvores filtram poluentes, poeiras e gases tóxicos; melhoram a qualidade do ar, produzem oxigénio e muito mais. Assim, muitos que hoje agonizam nos hospitais Maria Pia, Prenda e outros com insuficiência respiratória, grande causa de morte na terra prometida, talvez rejeitassem a viagem precoce para os céus. Com saúde de elefante, continuariam a construir o difícil e complexo edifício da nação angolana.


Pombal Maria

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