Higino Carneiro foi ilibado por ‘ordem pessoal’ do presidente do Supremo que pediu sigilo e alegou ‘pressões políticas’



O ex-governador provincial de Luanda Higino Carneiro, que até Maio do ano passado aguardava julgamento pela alegada prática de crimes de peculato, nepotismo, tráfico de influências, associação criminosa e branqueamento de capitais — actos que teria, supostamente, cometido entre os anos de 2016 e 2017 — foi ‘despronunciado’ ao arrepio da lei e por ordens expressas pelo próprio juiz-presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, na sequência de alegadas “pressões políticas”.

Informações exclusivas, a que este portal teve acesso de fontes dignas de crédito, apontam que a ordem da elaboração do ‘despacho de despronúncia’ e consequente arquivamento do processo contra Higino Carneiro foi uma iniciativa, pessoal, do próprio juiz-presidente conselheiro do Tribunal Supremo, que teria orientado e pedido sigilo ao juiz presidente da Câmara Criminal daquela instância judicial, Daniel Modesto Geraldes, no sentido deste “pôr termo ao caso” e não partilhar a decisão com os seus pares.

Dois vícios formais graves

O ‘despacho de despronúncia’, que livrou o antigo governador de Luanda do julgamento, acabaria, no entanto, por acarretar dois ‘vícios’ formais graves: o primeiro, por ter ocorrido num momento extemporâneo, ou seja, em que a Higino Carneiro já não restava instância alguma de recurso, senão depois da fase do julgamento. E mesmo nessa fase, o recurso teria de ser feito junto do Plenário do Tribunal Supremo e não mais a nível da sua Câmara Criminal.




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Por outro lado, quando o ‘despacho de despronúncia’ foi “decidido e não tornado público” pelas vias formais do tribunal, senão pelas redes sociais, por intermédio de pessoas ligadas ao antigo governador de Luanda, já o advogado de defesa de Higino Carneiro havia esgotado a última prerrogativa de que dispunha: o ‘recurso sobre o despacho de pronúncia’ que o juiz Daniel Modesto Geraldes havia despachado;

Segundo: Higino Carneiro foi despronunciado pelo mesmo juiz que o pronunciou, depois de o processo ter sido introduzido no Tribunal Supremo pelo Ministério Público, violando, assim, uma norma importante do ‘ritualismo processual’, que, à partida, o impedia de voltar a tomar contacto com o mesmo.

Os factos tal como ocorreram

Dito de outro modo e com base na situação fática ocorrida: quando o processo foi introduzido no Tribunal Supremo pelo Ministério Público (MP), por conta do foro privilegiado de que gozava Higino Carneiro, coube ao juiz Daniel Modesto Geraldes fazer a pronúncia, com base no que havia sido produzido na fase de instrução preparatória do caso.

Ao tomar contacto com os argumentos da acusação, o juiz Daniel Modesto Geraldes anuiu aos fundamentos arguidos, concordando que os factos constantes no processo correspondiam, em ‘grau, género e número’, aos aludidos pelo Ministério Público. Ou seja, que no exercício das suas funções, enquanto governador de Luanda, Higino Carneiro havia praticado vários ilícitos criminais.

Não satisfeito com o despacho de pronúncia de Daniel Modesto Geraldes, a defesa de Higino Carneiro interpôs recurso sobre o mesmo, naquilo que se poderia considerar como o último ‘expediente’ a que tinha direito, pelo menos naquela fase do processo.

Por conseguinte, chegados a essa fase, Daniel Modesto ficaria impedido de voltar a decidir sobre o mesmo processo, fossem quais fossem as circunstâncias ou factos aludidos, uma vez que tinha sido este a fazer a pronúncia que estava a ser objecto de recurso junto da Câmara Criminal.

‘Fuga para frente’ para evitar o julgamento.

Para decidir sobre o referido ‘recurso sobre a pronúncia’ foi realizado um sorteio que ditou como relator o juiz-conselheiro Aurélio Simba. Depois de apreciar os argumentos da defesa de Higino e do ‘colega’ Daniel Modesto Geraldes, o juiz Aurélio Simba decidiu “negar provimento” ao referido recurso interposto, caucionando o ‘despacho da acusação’.

Negado que foi o referido recurso, a Câmara Criminal do Tribunal Supremo abriu caminho para o início de um conjunto de procedimentos que culminariam com a marcação e realização do julgamento.

Este portal soube, inclusivamente, que a Câmara Criminal já havia indicado quem tomaria parte do ‘trio de juízes’ da mesa de julgamento, que seria composto por um juiz relator (o juiz conselheiro Norberto Sodré) e dois adjuntos, a cujos nomes os nomes não conseguimos chegar.

Entretanto, ficariam de fora, por já terem mantido contacto com o processo, os juízes-conselheiros Daniel Modesto Geraldes e Aurélio Simba, por razões óbvias: o primeiro por ter feito a pronúncia dos crimes de que vinha indiciado Higino Carneiro; e o segundo por ter sido o relator que negou provimento ao recurso sobre a pronúncia ‘ditada’ pelo primeiro.

Divulgação do despacho de despronúncia

No entanto, fontes deste portal afiançaram que, quando a notícia do despacho de despronúncia de Higino Carneiro foi tornada pública nas redes sociais, a nível da Câmara Criminal do Tribunal Supremo — à excepção do juiz Daniel Modesto Geraldes e do próprio presidente daquele tribunal —, pensava-se que se tratava de uma fake news.

Entretanto, o ‘verniz estala’ e o clima adensa-se quando, em sede de uma reunião do Plenário daquela instância judicial, foi questionado sobre o alegado ‘facto’ de Higino Carneiro ter sido despronunciado, ao que o juiz-conselheiro presidente Joel Leonardo respondeu que “sim, que havia sido despronunciado e que, para mais esclarecimentos, o presidente da Câmara Criminal, Daniel Modesto Geraldes, haveria de se pronunciar a respeito”.

A reunião do Plenário do Tribunal Supremo 

Nesse mesmo dia, segundo as fontes deste portal, dada a gravidade da afirmação confirmada pelo presidente do Tribunal Supremo, os membros da Câmara Criminal quiseram obter um esclarecimento naquela mesma reunião, mas, sem sucesso. Porém, foi recomendando ao juiz-presidente a marcação de um outro encontro, com o único propósito de se esclarecer o ‘despacho de despronúncia de Higino Carneiro’.

No entanto, os membros da Câmara Criminal do Tribunal Supremo teriam insistido, abordando Daniel Modesto, que acabaria por “revelar que o pedido de despronúncia teria sido feito pelo próprio juiz-conselheiro presidente Joel Leonardo”, como resultado de alegadas “pressões políticas”.

Uma outra nota de realce foi o facto de meses antes o processo de Higino Carneiro no Tribunal Supremo ter andado ‘desaparecido’ ou em ‘lugar incerto’.  A Secretaria Judicial daquele Tribunal havia registado Daniel Modesto como sendo a última pessoa a solicitá-lo, porém, este teria dito ao colega Aurélio Simba que não.

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