Fiquei perplexo com a reação ao meu artigo sobre Eva Cruzeiro — a artista de rap mais conhecida como Eva RapDiva —, que agora pretende candidatar-se ao Parlamento português. Recebi centenas se mesagen. A sua declaração de orgulho em ser portuguesa abalou muitos angolanos, que durante longo tempo acreditaram que ela era uma das suas. Para alguns, foi como assistir a uma irmã casar-se com um português e, em seguida, renegar os parentes do kimbo!.
Teria a reação sido tão intensa se Eva tivesse optado por outra carreira — a academia, por exemplo? Ela possui as qualificações para ser uma académica notável. Ou se tivesse enveredado pelo ramo imobiliário, pelo marketing ou pela produção musical? Poucos teriam objetado. O que provocou esta tempestade foi a sua decisão de se apresentar como candidata ao Parlamento pelo distrito de Lisboa, sob a bandeira do LIVRE, alinhado com o Partido Socialista.
O problema, suspeito eu, é de natureza emocional. Muitos angolanos têm dificuldade em desapegar-se. Quando amam uma figura pública, fazem-no profundamente e exigem a mesma lealdade em troca. Quando essa figura sai do âmbito nacional ou cultural, sentem-no como uma traição. Isto não é política — é coração partido. Uma relação recordada em detalhes sentimentais, como se agarrada a doces murmúrios sussurrados no auge de um romance.
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Reconheço esse sentimento. Quando jovem, namorei uma mulher de beleza extraordinária. Recordo-me de entrar em festas em Londres onde as pessoas a chamavam, ansiosas pela sua atenção. Num desses eventos, um homem abastado chamado Mayele mandou dizer que desejava falar com ela. Ela recusou. Senti-me discretamente orgulhoso. Mas, eventualmente, a relação terminou — e doeu. Temi nunca mais encontrar alguém tão belo. Se eu soubesse o que me esperava em frente!
Todavia, eu tinha algo que me sustentava: confiança. Talvez até em demasia. Recordei-me de que era jovem, inteligente, bem relacionado — e, francamente, considerava-me bastante apessoado. Olhei à minha volta, vi o que ainda possuía e tirei o melhor proveito disso. Esse desgosto tornou-se uma nota de rodapé na história da minha vida. Não me definiu então, e certamente não me define agora.
A mesma perspetiva aplica-se aqui. Como já disse anteriormente, Eva não abandonou Angola. A possibilidade de ela integrar o Parlamento português deveria ser motivo de orgulho. É bem possível que ela acabe por dar voz a preocupações partilhadas por muitos angolanos — numa plataforma a que raramente tiveram acesso. A sua candidatura poderá servir como catalisador para conversas mais amplas sobre a cultura e a criatividade angolanas. Apenas o seu passado musical pode ajudar a atrair atenção internacional para a vibrante cena artística de Angola. Se avaliássemos isto num balanço, este desenvolvimento estaria decididamente no lado do crédito.
Ainda assim, vejo muitos angolanos abalados pela retórica previsível de André Ventura, líder do Chega, que descarta Eva — nascida em Portugal — como estrangeira. Mas o passado colonial de Portugal plantou raízes muito além da Europa. A noção de identidade portuguesa não pode ser reduzida a apelidos ou tons de pele. E vejamos o atual Secretário dos Negócios Estrangeiros britânico, David Lammy — nascido em Londres de pais guianeses e bem mais escuro que Eva, que claramente carrega ascendência portuguesa. Ninguém questiona a sua britanidade.
Mas talvez haja uma questão mais profunda em jogo. Muitos jovens angolanos — especialmente os confinados às câmaras de eco das redes sociais ou da televisão — não compreendem verdadeiramente a vastidão e o potencial do seu país. Angola é imensa. Percorri-a de norte a sul, de leste a oeste — de Cabinda a Namibe, de Lobito a Luau. Estive nas florestas de Cabinda, atravessei os desertos do sudoeste, caminhei pelos pântanos do leste e pelas densas florestas de Malange. Vi a sua promessa, a sua beleza e a resiliência do seu povo.
E viajei amplamente para além de Angola — por África, do Cairo à Cidade do Cabo. Pus os pés na América do Norte, na América do Sul, na América Central, na Ásia e no Pacífico. Conheço bem a Europa, incluindo Portugal. E digo isto sem hesitação: se os líderes e cidadãos angolanos compreendessem plenamente a extensão do seu próprio potencial, não estariam tão preocupados com o facto de uma das suas ícones culturais se candidatar ao Parlamento em Lisboa. Estariam demasiado ocupados a construir algo notável em casa.
Avançar, contudo, requer perspetiva. Significa reconhecer o que ainda se possui. Quando fui abandonado pela mulher que outrora considerei a mais bela do mundo, recordei-me da minha juventude, da minha energia, da minha mente e das minhas oportunidades. E escolhi seguir em frente. Talvez seja hora de os angolanos fazerem o mesmo. Libertem-se da mágoa. Celebrem o que têm. E concentrem-se em tornar-se aquilo que ainda são capazes de ser.
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