A mentira conveniente de uma governação solitária - Adebayo Vunge e Tito Cambanje

 


Num tempo de discursos fáceis e revisionismos convenientes, é essencial resgatar a honestidade intelectual como critério mínimo de análise política, evitando que a ideologia dominante do populismo, que prolifera nas redes sociais, se apodere do palco.

Uma das ideias que se tornou quase um lugar-comume recorrente nos debates sobre o percurso da Angola independente é a afirmação de que “o MPLA governou sozinho durante 50 anos”. A frase é sedutora pela sua simplicidade e força retórica. Ela vem sendo repetida e abusada por muitos analistas e políticos. No entanto, ignora factos históricos, apaga contextos estruturantes e distorce responsabilidades — o que, em política, é tão perigoso quanto injusto.

É verdade que o MPLA é o partido que detém o poder desde a proclamação da independência, em 1975, fruto de circunstâncias históricas sempre muito confusas e difusas, conforme o fôlego e o barulho dequem segura o microfone. Mas é falso — ou, pelo menos, intelectualmente desonesto — afirmar que o fez sempre sozinho e em condições normais de governação democrática.

Ignorar as circunstâncias históricas do país desde 1975 é obliterar a complexidade do processo político angolano e reduzir a análise a slogans que mais confundem do que esclarecem.

Procuramos, por isso, esgrimir a falácia instalada e a mentira repetida — que não podemos deixar que se transforme em verdade uma vez que é um simulacro.

A década de 1990 - uma guerra e dois poderes de facto

Após a realização das primeiras eleições gerais em 1992, Angola voltou a mergulhar num período de guerra civil, depois da recusa da UNITA em aceitar os resultados eleitorais. A guerra com episódios e momentos diferentes prolongou-se entre 1992 e 2002, deixando o país viver uma profunda divisão territorial e política, com o condão de nos deixar ver/viver a fase mais violenta da guerra civil angolana. É interessante voltar os registos e perceber o que era Angola em 1993 em termos sociais, económicos, políticos e militares.


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Nesse período, a administração governamental do MPLA estava confinada às capitais de província e a alguns escassos municípios da zona litoral. A UNITA, liderada por Jonas Savimbi, estabeleceu uma estrutura de governação paralela em vastas zonas do interior do país, controlando militar e administrativamente grande parte do território nacional, mas com resultados desastrosos uma vez que a população estava verdadeiramente sob controle, paradoxalmente abandonado à sua sorte.

Quem nasceu e viveu no Huambo, Bié, Uíge, Moxico etc. sabe bem o quanto desastrosa e horrível foi a gestão da UNITA nesses territórios. Em nenhum momento se vislumbrava a prossecução do interesse público. Eram tropas a competir e maltratar muitas vezes a população na sua área de controle por razões partidárias e, as vezes até, culturais.

Durante esse período, o MPLA não governava de forma plena nem absoluta: havia uma fragmentação efectiva do território e da autoridade do Estado. Existiam duas zonas de influência, dois comandos políticos e dois projectos de governação em curso.

Esta realidade é muitas vezes omitida nos discursos simplificadores que apresentam o MPLA como único agente de poder durante esses anos. Em nome da honestidade, é preciso reconhecer que a oposição, armada e política, também exerceu poder real sobre vastas parcelas da população — com todas as consequências que isso implica, para o bem e para o mal.

Foi um tempo em que se confirmou a velha máxima de Hannah Arendt da "banalidade do mal", tal era a carga de violência e a desestruturação do tecido social e económico a que se assistia.

O governo de transição, de 1997 a 2008, uma experiência de inclusão

Com os Acordos de Lusaka em 1994 e os esforços subsequentes de pacificação, mesmo num contexto em que coexistiam duas UNITA — a da guerrilha nas matas e a da cidade, com deputados na Assembleia Nacional e ministros em Luanda —, foi criado o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN), que integrou dirigentes e quadros da UNITA e de outros partidos da oposição parlamentar.

Entre 1997 e 2008, o Executivo angolano contou com ministros e vice-ministros oriundos de diferentes formações políticas, numa lógica de co-governação e reconstrução nacional.

Importa lembrar que, até 2010, o regime político em Angola era semi-presidencialista. Isso significava que o poder executivo estava repartido entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro — numa fase inicial, com maior margem de acção política e governativa para os ministros.

Ao contrário do sistema presidencialista actualmente em vigor — centralizado no Presidente e marcado por uma forte concentração de poderes —, naquela altura os ministros tinham autonomia significativa e influência real na condução das políticas públicas.

Ministros da oposição chefiaram pastas importantes como Saúde, Comércio, Hotelaria e Turismo, Energia e Águas, entre outras. Essa participação plural no Executivo é frequentemente ignorada ou minimizada, apesar de constituir um momento relevante da trajectória democrática angolana.

Não reconhecer esse facto é rescrever a história com tinta ideológica.

A tentação da narrativa única

Afirmar que o MPLA governou sozinho durante 50 anos é ceder à tentação da narrativa única — uma das grandes inimigas da democracia. Essa afirmação apaga a guerra, ignora a oposição armada, desconsidera os governos de inclusão e desvaloriza o papel das demais forças políticas que, em diferentes momentos, partilharam responsabilidades de governação — por vezes com ganhos, outras com falhas.

Mais do que uma questão de precisão histórica, trata-se de uma exigência de rigor e de justiça. Se queremos apurar responsabilidades, melhorar o nosso sistema político e construir alternativas sólidas, precisamos de leituras honestas do passado e do presente. Para evitar cair na errática tentação no futuro.

A simplificação populista pode servir para agitar as massas ou conquistar votos, mas não contribui para a maturação democrática nem para o fortalecimento do debate público, com serenidade e elevação.

Conclusão: sem honestidade intelectual, não há política séria

Em política, como na vida, é essencial reconhecer os factos na sua complexidade. A honestidade intelectual não é um luxo — é uma condição para o progresso.

Negar as nuances da história recente de Angola é trair a verdade e empobrecer o debate político.

Sim, o MPLA tem tido responsabilidade central no rumo do país desde 1975, não tendo como eximir-se disso. Mas não a teve de forma isolada nem constante. Houve momentos de co-governação, períodos de partilha efectiva de poder, fases de transição. Ignorar essa realidade é reescrever a história ao serviço de objectivos políticos, retórica demagógica e não de princípios democráticos.

Reclamar honestidade intelectual no discurso político é exigir mais do que fidelidade partidária: é defender a democracia como espaço plural de memória, responsabilidade e verdade.

Há várias formas de “torpedear” a História — uma delas é recusar o reconhecimento de que todos os protagonistas, independentemente da forma como intervieram, tiveram um papel na construção do país e devem ser valorizados por isso. É inegável que mesmo aqueles que hoje se colocam à margem das celebrações dos 50 anos da Independência Nacional estiveram, em algum momento, dentro do processo, participaram activamente na edificação do Estado. Se não o fizeram melhor, essa falha deve ser-lhes imputada — e não exclusivamente ao MPLA.


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