Vai passando de telefone em telefone um pequeno vídeo em que o deputado da UNITA, Eugénio Manuvakola, profere apenas uma frase: «somos pagos para ser oposição». Nada mais. O antes e o depois foram cortados, o contexto esfumou-se, o cenário onde a frase foi dita desapareceu. Fica só a sentença, arrancada do seu lugar, exibida como se contivesse, sozinha, a totalidade da história. Uns apressam-se a ver ali uma evidência banal, quase burocrática: num sistema parlamentar, dirão, o Estado remunera governo e oposição para que o processo legislativo disponha de um contrapeso ao poder executivo, de um olhar crítico, de uma voz que emende e corrija. Outros escutam as mesmas palavras como confissão de rendição: se «são pagos», então a oposição já não seria vigilância, mas encenação; já não seria escrutínio, mas figurino. Discute-se menos o que foi dito e mais o que cada um leva entalado no ouvido.
O único facto que o vídeo oferece é a frase. O recorte simplifica até à caricatura, poda as nuances, suprime o enquadramento e convida ao reflexo imediato. Uma edição súbita, um título insinuante, meia dúzia de partilhas, e a indignação entra em circulação. É um método conhecido: converter um fragmento em símbolo, pedir às pessoas que reajam antes de pensarem, que sintam antes de compreenderem. Quem se detém um instante repara como a informação política nos é hoje servida em pequenas doses emotivas, prontas a consumir e prontas a descartar, como se fossem snacks de indignação preparados para o intervalo de um noticiário.
O que falta, por detrás dessa coreografia nervosa, é a disciplina tranquila da lógica informal. Falta a arte de pensar com nitidez num terreno onde não há equações nem teoremas, apenas palavras, juízos, inferências que se cruzam. Falta rigor na escolha dos termos; multiplicam-se saltos ilógicos; confunde-se a intensidade do sentimento com a força da prova. A lógica informal recorda que um bom argumento não é desabafo espirituoso nem frase engenhosa de cartaz, mas um conjunto de razões oferecidas com clareza, apoiadas em indícios reconhecíveis, que se podem indicar e discutir.
Aplicada a este vídeo, essa disciplina começa com perguntas quase escolares, mas decisivas. O que significa, neste contexto, «ser pago»? Trata-se de um salário institucional, semelhante ao de qualquer titular de cargo público, ou existe ali a insinuação de outra coisa, menos transparente, mais sombria? E que significa, no funcionamento concreto de um parlamento, «ser oposição»? Votar contra quando se justifica; propor alternativas consistentes; negociar correções; vigiar o governo; dar voz a segmentos da sociedade que não se sentem representados? Sem clarificar estes termos, o debate desliza para a gritaria, para o boato e para a suspeita indistinta. A lógica informal insiste em três gestos básicos: compreender os conceitos; formular juízos sobre a forma como se relacionam; verificar se as razões apresentadas suportam de facto a conclusão que se proclama.
Alguns comentários nas redes sociais já deixam entrever aquilo que pode ser o início de um amadurecimento. Em muitas reações nota-se um esforço de análise, ainda hesitante, mas real: gente que pergunta em que contexto o deputado falou, que exige ver a intervenção inteira, que procura perceber se se tratava de uma explicação seca das regras do jogo parlamentar ou de uma capitulação moral. Ao fazerem estas perguntas, começam a reconhecer os enviesamentos que moldam a receção das palavras alheias: a tendência para ouvir apenas o que confirma o que já pensávamos; o efeito de enquadramento que um título ou uma legenda impõem; a facilidade com que um fragmento substitui, na nossa cabeça, uma conversa inteira.
Há outro sinal encorajador que se adivinha por detrás do ruído. Cada vez mais pessoas conseguem identificar quando um argumento é virado contra a pessoa e não contra a ideia. Intuem, mesmo sem o rótulo técnico, que se trata de uma falácia ad hominem: em vez de discutir a proposição, ataca-se o carácter de quem a enuncia, a sua biografia, a sua filiação partidária, a sua vida privada. Essa distinção não nasce de um dia para o outro; pede tempo, escolaridade, contacto repetido com debates públicos que não terminem em insulto. E traz consigo uma descoberta simples, porém decisiva: uma pessoa decente pode, num certo momento, apresentar um argumento frágil; uma figura de reputação duvidosa pode, em determinadas circunstâncias, formular uma proposição válida.
A lógica informal pede-nos precisamente isto: que não separemos a exigência intelectual de uma certa virtude cívica. Insiste em que é preciso pensar com cuidado e, ao mesmo tempo, cuidar do pensamento do outro, evitar caricaturas, recusar a tentação de vencer a qualquer preço. Distinguir a crítica dirigida à pessoa da crítica dirigida ao argumento é um primeiro gesto de higiene moral e intelectual. À medida que as gerações mais novas vão sendo educadas não para repetir fórmulas, mas para distinguir entre quem fala e o que é dito, entre o mensageiro e a mensagem, vão adquirindo as ferramentas de que necessitam para atravessar um século saturado de propaganda, entretenimento e espetáculo político.
Onde houver cidadãos que se recusam a ser arrastados pelo primeiro vídeo indignado que lhes salta no ecrã, que exigem contexto, que pedem precisão nas palavras e paciência na análise, mesmo uma frase apanhada à pressa num corredor do parlamento pode voltar a ser apenas isso: o início de uma conversa séria sobre o que esperamos da oposição, do governo e de nós próprios enquanto comunidade política que, em vez de reagir por reflexo, tenta compreender antes de julgar.
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